sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

120 Horas em Lhassa - Parte V

12 horas, 50 minutos

O helicóptero pousou na espessa e verde grama da base militar de Ogan.
De dentro, saiu um homem de idade incerta; devia ser bastante jovem. Usava um uniforme verde musgo, camisa cáqui e uma gravata prateada, e algumas medalhas esparsas que davam uma certa noção de sua distinção enquanto a mantinham discreta. A razão para a falta de medalhas- cuja quantidade por vezes tornava difícil o andar dos oficiais- era que o Ulukorbak não fornecia condecorações. Preferia recompensas "por fora": imóveis, carros, o eventual jatinho, e, é claro, muita mordomia e pistolões.
-Dogijavyn!
-Chimid!
Dogijavyn Luvsanshara foi em frente e abraçou o velho amigo.
-E então, como vai a vida? Não falamos à um certo tempo.
-A vida é o de menos. Mesmo que eu tivesse uma vida fora do trabalho, você conhece a política do Ulukorbak sobre o assunto.
O sorriso nostálgico de Chimid se transformou em preocupação.
-Esse trabalho ainda vai matar você, Dogijavyn.
-Talvez. Mas, no fim das contas, a morte leva a reencarnação- disse Luvsanshara, com um sorriso inocente no rosto e os olhos cobertos pelos óculos escuros. Chimid não entendeu se ele estava de gozação ou se falava com sinceridade.
-Suponho que não saiba o que está acontecendo, nesse momento,na Praça Central.
-E eu suponho que, na posição em que está, você saiba- respondeu Chimid, sério.
-Correto. Em quatro números, o que está acontecendo na Praça Central é: 1996. 
A conotação que aqueles 4 números haviam atingido, 15 anos depois, percorreu a espinha de Chimid.
-Sim, e então- disse Chimid, tomado de preocupação.
-Chimid, hà 15 minutos eu mantei desligar as escutas deste campo de pouso. Eu fiz isso por um motivo, e não é porque te considero meu melhor amigo.
-Tinha escutas neste campo de pouso?
-Não é só de residências e corredores que vive o Ulukorbak, Chimid. Vigilância total; este é o nosso objetivo à longo prazo. Enfim, o fato é que, estando a Praça Central ocupada por manifestantes, eu tenho o poder de tornar mil vezes pior. 
Chimid permaneceu calado, então Luvsanshara prosseguiu.
-Hoje mais cedo eu disse ao Dalai Lama que eu mandaria agentes do Ulukorbak vestidos de milicianos pró-governo para dispersar os manifestantes. Não é isso que farei. Deixarei que a manifestação cresça, e no momento certo, atacarei, mas você não perde por esperar qual dos lados.
Chimid permanecia quieto e desconfortável.
-Dogijavyn, não estou entendendo.
-Chimid- disse Luvsanshara, abrindo um largo sorriso- o que acha de ser o primeiro Presidente de Bukkara?

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