terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Revolução em Curso: Porque a Música Pop nunca mais será a mesma

Vamos começar esse artigo fingindo algumas coisas.
Vamos começar fingindo que voc... não, melhor. Querido leitor, primeiramente, vamos fingir que você existe. Feito isso, vamos fingir que você é uma pessoa normal(o que evidentemente não é o caso dado que você está aqui lendo um blog de quinta categoria) e que, como toda pessoa normal, você prestou um pouco de atenção no que estava tocando no rádio no ano de 2012. 
Você, como pessoa normal que normalmente escuta um rádio normal, deve ter notado que ele estava ligeiramente diferente nesse ano que acabou. Eu, como pessoa fora do normal, que escuta música compulsivamente em quantidades frequentemente pornográficas e que em muitos países poderiam ser qualificadas de ilegais e terminariam por me colocar em uma prisão turca com band-aids no ouvido, percebi que ela estava um pouco mais do que simplesmente diferente. Na verdade, podemos chamar o que está ocorrendo agora de Revolução. Uma revolução silenciosa, embora isso seja extremamente inadequado quando se fala de música, mas é o único termo que eu pensei, porque no geral eu sou um cara preguiçoso mais preocupado em terminar o texto rápido do que inventar neologismos.
Para ilustrar melhor o que estou dizendo, voltemos à uma época tenebrosa, marcada por opressão, ignorância, pobreza e guerra. Eu estou, é claro, falando de 2010. Eu não sei se você lembra das músicas(internacionais, e isso quer dizer americanas) que fizeram sucesso em 2010, então aqui vai uma lembrançinha:

https://www.youtube.com/watch?v=LLA7JMPE_xU

Olá de novo! Se você viu esse vídeo, notou algo:

1. Eu sou preguiçoso demais até para botar todas as músicas de cada vez.
2. Esse é um mashup de músicas que fizeram sucesso em 2010; as 25 mais bem sucedidas, na verdade.
3. Todas elas soam exatamente iguais.

Mais do Mesmo

O 3o ponto, como você pode imaginar, é o mais importante. Nas palavras do crítico musical Todd Ingram: "As músicas [que fizeram sucesso em 2010] são todas essencialmente músicas dançantes de boate sobre dançar em boates, ao som de uma música dançante de boate."
Antes que você possa dizer Boateception, eu vou tentar dar um resumo curto de como chegamos até aqui. Ou melhor, até ali, já que desde então já se passaram 3 anos. Enfim.
Lá por 2002, o rap, por muitos anos um coadjuvante no mundo da música, quando não era simplesmente marginalizado, finalmente se tornou o gênero mais popular. Essencialmente toda a programação musical de canais como a MTV era ocupada por artistas de rap ou algum outro gênero afiliado ao que curiosamente é qualificado de black music, como o Rhythm and Blues. Essa hegemonia rapidamente progrediu para a saturação, e depois de alguns anos as pessoas estavam cansadas de rap. Isso ocorreu lá por volta de 2008, e o ano de 2009, então, viu uma explosão completamente inusitada de todos os gêneros. O remix de 2009, feito pelo mesmo DJ (https://www.youtube.com/watch?v=iNzrwh2Z2hQ) é notável pela relativa variedade de gêneros, do indie rock às guitarras acústicas, do country ao pop barroco de Lady Gaga.
O que levou desse cenário musical relativamente interessante e variado à excessiva homogeneização e pasteurização de 2010? Simples, na minha opinião. 2009 foi um ano de experimentação. Vendo a sua pata dos cordões de ouro e aba reta morrer à sua frente, os executivos das gravadoras jogaram tudo contra a parede para ver o que grudava. O que terminou por grudar foi as músicas dançantes de boate.
Como isso aconteceu?

 Assim.

Um dia os historiadores da música(se é que nossos descendentes vão realmente se preocupar com uma coisa tão inócua e inconsequente) vão olhar para o breve reinado das músicas dançantes de boate(que eu vou abreviar para MDB porque... ah, você sabe) e estabelecer a sua duração como sendo de 7 de Agosto de 2009 à 29 de Novembro de 2010. Na primeira vez que eu vi Tik Tok na televisão, e isso foi em Janeiro de 2010- a música demorou à ganhar impulso- eu sabia que havia algo novo no ar, e não era nada agradável. O sucesso da música foi a dica que as gravadoras precisaram para derramar uma tsunami de lama sobre os ouvintes, de músicas robóticas usando o auto-tune, todas soando completamente iguais.
Porque, então, eu escolhi 29 de Novembro de 2010 como a data da morte- ainda cedo para dizer, talvez- da MDB? 

'It Ain't Over Till The Fat Lady Sings'
 
 Em grande parte, por causa disso.

No início de 2011, Adele mudou o jogo do pop. Não só quebrou barreiras com o seu peso(nossa, isso dava uma piada muito ruim, mas vou dispensar vocês dela) mas trouxe uma sonoridade voz-e-piano que andava sumida do pop hà anos.
Adele foi o agente provocador da Revolução? Provavelmente não, mas foi a primeira rachadura na represa- e, como em um bom filme-catástrofe, a primeira rachadura é SEMPRE suficiente para destruir toda a represa. 
De repente, o mundo inteiro acordou coletivamente do entorpecedor domínio da MDB. 21, o álbum de Adele, se tornou o maior sucesso de 2011, o primeiro ano desde 2004 em que as vendas de álbuns NÃO caíram. Em 2012, ela repetiu o feito, e 21 se tornou por dois anos seguidos o álbum mais vendido do Planeta.
A mensagem que isso passou às gravadoras foi clara: Queremos variedade. E as gravadoras ouviram.
É verdade que isso tudo não ocorreu por causa da ação de um indivíduo: a própria ultra-saturação da MDB levou o gênero à cavar sua própria cova, e a dezena de artistas que irromperam no mainstream após Adele alargar a janela(outra... deixa pra lá) do que era aceitável dentro da música pop, também contribuíram eles mesmos à alargar essa janela, em um formidável círculo virtuoso.

A Vingança dos Nerds

A Revolução rapidamente assumiu o sabor muito gostoso e gratificante de uma aliança. Uma aliança entre vários gêneros que andavam mais ou menos marginalizados. O Dupstep ultra-futurista de Skrillex, ele mesmo um discípulo do DJ de vanguarda Deadmau5, surgiu como contraponto ao techno de supermercado de David Guetta, e trouxe todo um novo gênero ao mainstream. A aliança entre o dubstep e o rock, como o da banda Imagine Dragons, criou uma das misturas mais originais das últimas décadas. 
Falando nisso, o rock, que todos anunciavam como morto, irrecuperável, gagá, datado, vai muito bem, obrigado. Jack White, ex-White Stripes, e bandas como The Black Keys e Alabama Shakes, lançaram discos elogiados, resgatando um rock com pegada de Blues, produzindo uma reviravolta completamente inusitada: Subitamente, o velho virou o novo novo.
No lado indie das coisas, grupos como fun., com seu pop glam-diloquente, à la Queen(quem diria? Estão resgatando o Queen!), ao pop barroco de Florence + The Machine, chegaram finalmente ao mainstream. O que dizer de um ano em que o sucesso do verão é Somebody That I Used to Know? Uma única música lançou dois artistas fantásticos, Kimbra e Gotye, que parecem ter perspectivas interessantes à sua frente. Foster The People, Mumford &Sons, Of Monsters And Men, Lana Del Rey... a lista parece interminável. Como já dizia Todd Ingram, já passou a época em que as paradas de sucesso incluíam um sucesso independente que conquistava os gostos do público debaixo do nariz dos executivos. Agora, esses sucessos inexplicáveis são a norma, e não a exceção.
Isso não é apenas uma busca pelo novo: artesãos do pop de vanguarda que fizeram sucesso na década de 90 e andavam meio por baixo recentemente, como o grupo Garbage e a sempre interessante Björk lançaram álbuns de sucesso, em 2011 e 2012 des-respectivamente. As batidas inovadoras e letras bizarras do rapper Tyler the Creator mostram que é possível um artista resgatar um gênero musical inteiro da mesmice.
Tal profusão de gêneros antigos lançando material novo, gêneros novos lançando material mais novo ainda, e tudo entre um e outro, faz o cenário musical atual parecer com um filme de adolescentes; especificamente aquela parte em que todos os nerds e crianças impopulares montam uma armadilha pra se livrar da patriçinha da escola, e encher o cabelo dela de papel higiênico ou algo assim.

A Morte do Mainstream

Mas será que existe mesmo uma patriçinha para sujar? Minha teoria é de que a Revolução atualmente em curso, um evento global que está atravessando todos os gêneros, como um vírus que provoca a mudança, matou o mainstream. Isso é um processo antigo, que remonta ao final da década de 90, com a criação do Napster e do MP3, mas que só se fez sentir totalmente de 2011 pra cá. Porque?
A chave do domínio do mainstream é a onipresença. Antes da internet, o público da televisão e do rádio era cativo, e assim, com alguns milhões de dólares, ficava fácil forçar qualquer 'tendência' goela abaixo das pessoas, coisas que elas interiorizavam por pura repetição. Se o escopo da mídia é limitado, e ainda assim tem público, fica fácil atingir todo esse público. 
Mas, de uns tempos pra cá, ficou mais fácil evitar a exposição à aquilo que não faz parte de nossos gostos, matando a doutrinação do mainstream ainda no berço. Uma pessoa não precisa mais ouvir o rádio à caminho do trabalho; pode ouvir o seu MP3/Ipod/o que for. As redes sociais e o Youtube mudaram à forma como somos expostos e como compartilhamos a música.
Para muitas pessoas envolvidas, a pergunta que mais importa é: Isso dá dinheiro? E a resposta é: Sim, e muito. 
O enriquecimento do mundo(sim, apesar de todas as manchetes de crise, o mundo está crescendo) e a multiplicação das sub-culturas, tanto nos países industrializados quanto nos emergentes, produziu uma situação curiosa: Se antes, uma obra precisava ter 'apelo universal', ou seja, seguir aquilo que estava mais popular no mainstream. Por exemplo, um dos primeiros filmes do Homem-Aranha, dos anos 70(sim, teve filmes do Homem-Aranha nessa época) incluía um roteiro confuso envolvendo a construção de uma fábrica na China e lutas de kung-fu, porque naquela época, os filmes de Bruce Lee eram muito populares, então uma obra tão obscura e nerd como o Homem-Aranha precisava desse tipo de apelo para ser vendável. Agora, esse não é mais o caso: se antes, as sub-culturas eram pequenas demais para compensar o custo de produção de um álbum ou de um filme, o aumento de suas fileiras(e suas carteiras) facilitam a chegada de material 'não-diluído' à esse pós-mainstream, onde passa à ser necessário agradar apenas o público-alvo. Assim, o mainstream deixa de existir, dividido em dezenas de sub-culturas e públicos com interesses diferentes. No mundo pós-mainstream, Call Me Maybe e Criolo não competem, eles convivem.

Mais do Mesmo 2.0

Essa lógica tem seus efeitos perversos? Claro que tem. Lógica perversa é pleonasmo. A necessidade de agradar apenas os fãs pode criar artistas acomodados que apenas repetem seus sucessos passados, e não pensam em desafiar ou surpreender o seu público, e o próprio público vai pedir mais do mesmo, e acusar o seu artista de ter se vendido quando não for isso que ele receber; e às vezes, a interferência de executivos de terno pode ser positiva, como foi quando eles supervisionaram a produção da trilogia original de Star Wars, muito superior à trilogia seguinte, em que George Lucas teve controle completo. 
Mas, eu diria, no momento, os efeitos positivos dessa revolução em muito superam os efeitos negativos. Quando o contrário ocorrer, talvez será a hora de uma nova revolução. Mas, até lá eu digo: Agora, chegou a nossa vez! Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês!

Franco Alencastro já sobreviveu a três apocalipses. Vai encarar?











domingo, 27 de janeiro de 2013

Lista de Chamada- Parte XII

CENA 14/ INT. DIA, CORREDOR

(Repetição da CENA 8. CAIO está andando pelo corredor, leva um pescotapa, e vê BOLA. Eles têm seu breve diálogo.)

CAIO
Mas espera, como você escapou da detenção?

BOLA
Ah, eu dei um jeito.

(conforme eles saem pela porta do corredor, a câmera vai se aproximando do banheiro das meninas, em que se ouve um barulho de água corrente e choro. Corte para dentro do banheiro, o filtro já é mais próximo do adotado no resto do filme. Vemos uma bolsa largada no chão com uma papel com DETENÇÃO carimbado em vermelho. A mão de PATRÍCIA pega uns papéis-toalha, e com isso vemos as cicatrizes e o sangue em seus pulsos. Ela pega o papel com as mãos tremendo. Vemos então seu rosto refletido no espelho, coberto de lágrimas e maquiagem derretida. Vemos então o banheiro em preto-e-branco de cima, e a câmera vai dele até um ponto fora da escola, em cores. Podemos ver BOLA e CAIO sentados lá embaixo.)

 CENA 15/ EXT. DIA, BANCO

(Close detalhado de um cigarro se acendendo. BOLA o coloca na boca. CAIO já está com um.)

CAIO
Não, sério. Como você escapou lá de dentro?

BOLA
Ah, longa história.

CAIO
Ah, não fode cara, a gente tem tempo.

BOLA
(respira fundo)
Tá bom. Cada um de nós deu sua versão da história. Eu pude falar primeiro. Eu denunciei ela.

CAIO
(surpreso)
A Patrícia?

BOLA
A Patrícia.

(corte rápido para PATRÍCIA lavando os pulsos no banheiro.)
CAIO
Que merda, cara.

BOLA
Ah, não seja moralista. Você sabe que você faria a mesma coisa.

CAIO
Ui, ele usa palavras difíceis. ...Mas é verdade.

(BOLA dá uma tragada)

BOLA
Afinal, o homem é um lobo para o homem.

CAIO
E onde as crianças entram nisso?

BOLA
Elas aprendem à se tornar lobos. É pra isso que esse lugar serve.

CAIO
Você ta profundo hoje, hein.

BOLA
Só estou dizendo o óbvio.

(um carro pára na frente deles)

CAIO
(jogando o cigarro para longe)
Ai, saco! Esqueci!

BOLA
O que?

CAIO
Joga fora esse cigarro!

(a porta do carro se abre. CAIO se levanta e ajeita a roupa.)

CAIO
É, oi, papai.

PAI
Vamos lá, entra no carro, moleque.

(CAIO obedece. O PAI sente algo no ar e pega no ombro de CAIO.)

PAI
Pera aí um segundo. Esse cheiro é o que eu to pensando?

CAIO
Po, pai...

PAI
(interrompendo)
Tá fumando de novo, né? Só podia ser!

(Dá uns pescotapas em CAIO, que protesta. A MÃE, até então invisível, sai do carro.)

MÃE
Roberto, solta ele, pelo amor de Deus...

PAI
Volta pra dentro, mulher!

(close no rosto da MÃE enquanto ouvimos a voz off de CAIO reclamando.)
PAI
(fecha a porta do carro praticamente em cima de CAIO)
Brincadeira, fumando hein, puta que pariu...(Para CAIO) Lá em casa vamos ter aquela conversa!

(fecha a porta do carro. Se prepara para ligar a chave, mas então olha para o lado e vê BOLA. BOLA acena. O PAI aperta o botão da janela, que a fecha lentamente.)