Of course, Oh love, Oh desperation,
O rage!
Ôrage!
Ó raios,
O rare,
O ray of light
light that beams, trickles and splinters
in sprockets of spirit, sprinting
down the lane, down the day
as the sun downs and dawns
endow the dowager
And gain the glory of geysers eternal
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
domingo, 6 de julho de 2014
120 horas em Lhassa - Parte XXVI (avec l'aide de L.L.A.)
28 horas, 06 minutos
A circulação era alta na tenda, monges entravam e saíam
trazendo baldes d’água e um café da manhã para Heydar.
O monge que antes falara com Rorteu saiu de novo da tenda
e murmurou algo para ele em Mongol, do qual Morsman conseguiu entender apenas
algumas palavras, mas que juntas num contexto não queriam dizer muita coisa.
Rorteu então entrou na tenda e descobriu Morsman espiando
por dentro dela. Vendo o grandalhão abrindo a porta de tela de repente, Morsman
levou um susto e caiu pra trás.
-Diga, moleque- disse Rorteu numa voz rouca- Vai ficar
muito tempo? Parece que um outro monge se machucou então vamos precisar do
espaço.
Morsman hesitou- não podia simplesmente deixar Heydar para
trás, e atravessar a Praça Central no meio daquela multidão era tudo, menos
seguro, e nada impedia o apagão de acontecer novamente.
-Não tem nada que eu possa oferecer?
Rorteu deu uma ruidosa gargalhada, e disse então para o
menino, entre soluços:
-Hic... e posso saber Hic o que você tem a oferec hic!
-Ei! posso oferecer muitas coisas!- disse Morsman
indignado.- Sei, por exemplo, projetar e consertar equipamento eletrônico.
Rorteu subitamente parou de rir. Sem dizer nada,
levantou-se e correu até o monge, disse uma coisa ou duas e voltou com ele. O monge,
então, pronunciou em um teute no limite do compreensível:
-Você saber rádios construção?
Morsman então abriu um sorriso largo. Consertar um rádio
fora um de seus primeiros orgulhos, aos 15 anos. Até então tivera dificuldades
em ser aceito pelo seu pai, que desdenhava de sua aptidão para a literatura e
praticamente não conversava com ele. Vasculhando o porão da casa, encontrou um
rádio em estado lamentável: Várias peças espalhadas, algumas até retorcidas. Ao
longo de um mês, o rádio por suas mãos progressivamente ganhou forma e ele o
deu de presente de aniversário para seu pai. Desde então, nunca pifara. O pai
passou à dar mais atenção à ele, convidando-o inclusive para trabalhar na
companhia.
Depois da reconstrução do velho rádio abandonado, descobrira
uma maneira de fazer uma bateria durar o dobro mudando apenas alguns circuitos
e gastando apenas alguns centavos a mais e montara mais dois rádios à partir do
nada.
-Sim, posso construir rádios.
-Você vem conosco- disse Rorteu, pegando Morsman no
braço.
120 horas em Lhassa - Parte XXV (avec l'aide de L.L.A.)
27 horas, 20 minutos
Morsman, Heydar e o estranho homem de capuz, chegam a
Praça Central de Lhassa, apinhada de pessoas e barracas, deixando Morsman
abismado.
-O que está acontecendo, Senhor?- Disse Morsman.
-A História está acontecendo!- Disse o homem de capuz.
Começaram a andar entre as pessoas até que foi avistado um
monge vestido de dourado.
-Chembow Dong! Ainda bem que apareceu!- Disse em bukkara o
pequeno monge de dourado. Morsman não falava Bukara, além de algumas poucas
palavras, mas tinha certeza que Chembow Dong queria dizer “grande selvagem” um nome muito curioso.
Levaram Heydar para uma das barracas onde os monges
começaram a cuidar dele.
Do lado de fora da barraca Chembow Dong ficava parado em
pé, como um soldado de terracota encapuzado. Ele era bem maior que maioria dos
outros da praça e ainda falava teute, o que deixava Morsman muito curioso.
-Senhor Chembow! O senhor é teute?- Perguntou Morsman.
-Já viu algum teute chamado Chembow Dong? Vá dormir!-
Disse o homem de capuz.
-Grande Selvagem, sim, é um nome que um monge bukara daria
para um teute!- Disse Morsman, recebendo uma risada do homem de capuz.
-Certo, sente-se e pegue um chá, pelo visto se não te
contar, não vai me deixar dormir!- Disse o homem retirando o capuz e mostrando
seu rosto, devia ter entrem 55 e 60 anos, queixo grande, nariz proeminente, um
rosto claramente teute, mas marcado e obviamente fruto de uma vida sofrida,
também tinha a cabeça raspada tal assim como os monges.
-E como o senhor chegou no Monastério?- Perguntou Morsman
ansioso.
-Não cheguei! No meio do caminho segurei uma pedra que
soltou e rolei morro a baixo! Acordei horas depois no Monastério!- Dizia Rorteu
ao ser interrompido.
-Foi um milagre! O Elmo te teletransportou para lá!?-
Supôs inocentemente Morsman.
-Claro que não, garoto! Isso não é filme! Os monges
escutaram o desmoronamento e foram ver, me acharam desacordado! Bom, como ia
dizendo, eu acordei no mosteiro, mas sem memória, a pancada foi tão forte que
quebrou alguma coisa aqui dentro da velha cachola! Eu acabei ficando no
mosteiro e me uni a ordem em 1996, aos pouco eu fui lembrando de algumas coisas
e lá por 2006 eu já lembrava de quase tudo. Mas agora estou feliz, estou numa
nova vida! Rorteu Olfosam, de certa forma, morreu naquele desabamento!- Disse
Rorteu.
-Mas e o Elmo, estava no mosteiro?- Perguntou Morsman.
-Já está tarde garoto! Você queria saber o quem eu era!
Essa já é outra história! Vai dormir!- Disse Rorteu novamente cobrindo o rosto
com o capuz.
120 horas em Lhassa - Parte XXIV
37 horas, 31 minutos
Era a terceira reunião em menos de 48 horas. Alguns
serviçais despejavam o chá fumegante de bules de jade em pequenas xícaras
ornadas com gravuras em miniatura, enquanto os ministros iam um à um
sentando-se nas almofadas de cetim vermelho.
-Bom, senhores. Creio que estejamos agora numa posição
muito mais confortável do que hoje de manhã.
-Mas como, Vossa Santidade? Ainda são as mesmas almofadas
de hoje de manhã.
A piada do Ministro da Economia Wong Sok provocou risadas
gerais. Após um tempo, esta desapareceu e subsistiu um silêncio constrangedor.
-Certo, comecemos a reunião.- disse o Dalai Lama.
-Bom, senhor, de fato tudo parece estar sob controle-
disse Laogan Turkveyeni- os últimos relatórios que me foram entregues mostram
que apesar de alguns saques à lojas e incidentes menores, a situação parece ter
se acalmado. Talvez o blecaute tenha sido mesmo benéfico.
Luvsanshara deu uma pequena risada.
-Pois não, Dogijavyn?- disse o Dalai Lama, subitamente
ríspido.
-Desculpe, Vossa Santidade, mas esse comentário foi
bastante engraçado. Se me permite, senhor, me dei a liberdade de coordenar uma
pesquisa pela atualização de informações pós-blecaute.
Turkveyeni ficou pálido, assim como Wong Sok.
-Entre- disse Luvsanshara, e um idoso de feições
túrquicas, pequeno e de passo arrastado, usando óculos maiores que a própria
testa, entrou e entregou um papel à Luvsanshara.
-Vossa Santidade, esse é Ogomka, um de meus subordinados e
um dos profissionais mais capazes que conheço, dono de uma memória que, se não
é fotográfica, é sem dúvida melhor que isso. Ele compilou alguns dados sobre os
efeitos do blecaute, que eu julgo... Interessantes.
Em uma voz clara de locutor de rádio, Luvsanshara começou
à ler:
-Estima-se que no momento em que o EMP foi realmente
ativado, o que deduzimos ocorreu às 5 horas da manhã de hoje, horário de
Lhassa, 17 aviões comerciais que circulavam no espaço aéreo de Bukkara
simplesmente caíram. Na hora seguinte, o número subiu à 60 e pouco tempo depois
a maioria dos vôos que passavam pela Ásia foram suspensos. Estimamos o total de
vítimas desses trágicos acidentes em cerca de 13 mil pessoas.
O queixo do Dalai Lama caíra e este tirara seus óculos e
começara à limpá-los freneticamente.
-Os acidentes de trem também foram numerosos. Quatro
descarrilaram logo após o início do blecaute, matando 1500 pessoas. Foi dito
por pessoas entrevistadas que assim que a energia acabou, várias pessoas saíram
dos trens- alguns dos quais haviam parado em pleno campo- e começaram a
protestar. Houve notícias de vagões sendo ocupados por manifestantes nas linhas
Qirihar-Almaty, Teerã-Ashgabat e a Yunnan Norte. A falta de energia nas regiões
do leste, no momento em que as pessoas estavam indo trabalhar, determinou que
estas ficassem em casa. No oeste, onde o dia já estava na metade ou quase
acabando, os trabalhadores terminaram por, em muitos casos, ocupar seus locais
de trabalho, como ocorreu nas Minas Dorogvan na Armênia e no estaleiro Palma de
Buddha em Astrakhan. Nos Campos de purificação espiritual, a falta de energia
gerou pânico e motivou levantes contra as autoridades. Em Taitogrado, os
Taïteis entraram em guerra aberta contra o governo. Em suma, acredito que esse
blecaute nos ameaçou como nenhum exército inimigo jamais pôde ou poderá.
O espanto na sala foi geral quando Luvsanshara encerrou
seu sombrio monólogo.
-Saiam da sala.- disse o Dalai Lama com o rosto
esbranquiçado, mirando com a cabeça Turkveyeni, Wong Sok, Poteng e Gangchen.
-Mas a reunião...
-Eu disse saiam!
Os quatro ministros andaram ruidosamente e espremeram-se
por ela, tentando passar juntos. Apenas Luvsanshara ficou.
-Senhor- disse Luvsanshara levantando-se, olhando para
Tenzin Gyatso de cima- Acredito que esse longo rapport tenha servido para
demonstrar a competência do Ulukorbak.
-Com certeza- disse o Dalai Lama, encolhendo-se em sua
almofada.
-É claro que gente como Rinpoche ou Wong Sok devem
entender de Economia ou de Infraestrutura- mas no fim, quem é melhor para dar
informações do que o Ministério da Informação e Segurança?
-De fato.
-É por isso que eu peço que contrate Ogomka como
substituto temporário de Dao Rinpoche.
-Perdão?
-Veja só, Vossa Santidade. Seus antigos ministros tinham
muita independência. Zheng Gyatso praticamente armou um golpe contra o senhor
ao retirar a artilharia do Promontório Sereno. Dao Rinpoche agiu impulsivamente
e provocou uma catástrofe que levaremos muito tempo para superar. Mas ainda
temos tempo de sujar as mãos e agir onde os subalternos falharam. Dando a
Ogomka o posto, você não somente estará contratando alguém de muito competente,
estará também dando a sua opinião sobre como a infraestrutura do país deve ser
administrada. Além do mais, eu conheço todo o Ulukorbak: sei quem é de
confiança. Imagine se- não que o senhor seja capaz de tal erro- Vossa Santidade
tivesse chamado o General Chimid, que até ontem ostentava a máscara de um
oficial justo e respeitado por seus homens, para o posto de Ministro da Guerra.
-Eu... entendo.
-Obrigado por entender meu ponto de vista, Vossa
Santidade- Luvsanshara curvou-se e beijou a mão do Dalai Lama que estava
tremendo. E então saiu da sala, deixando-o ás escuras.
120 horas em Lhassa - Parte XXIII (avec l'aide de L.L.A.)
26 horas, 39 minutos
Morsman Gunteusam do Clã Albe acabara de se formar em
tecnologia da comunicação pela universidade de Teutenagari, e o que ele ganhou
de seu pai? Uma viagem de mochileiro que ele sempre quis fazer. Viajar o mundo
por um ano, antes de começar a trabalhar nas empresas do Clã.
Morsman tem 22 anos, 1,86m de altura. Sua aparência
grandalhona e truculenta de teute contrastava com seu jeito atrapalhado e
empolgado. Dotado da irritante mania de arrumar os óculos com o dedo mindinho
constantemente.
Só que como nem tudo são flores, Morsman se encontrava em
Bukkara, mais precisamente em Lhassa, no fatídico dia das revoltas.
O Albergue estava gritantemente vazio, já não haviam
muitos turistas estrangeiros, a maioria era formada de viajantes de outras
partes de Bukkara que passavam pela capital. Quando as revoltas começaram a
maior parte desapareceu, restando somente Heydar, um mercador bukkara de etnia
Azeris com uns 45 anos e um bigodinho aparado ridículo em forma de retângulo,
que só ficara, pois como Morsman, não tinha para onde ir.
Naquele dia Heydar havia saído do albergue com o que
tinha, na esperança de fazer algum dinheiro vendendo as mercadoria. A final,
com toda esta confusão, deveriam estar precisando de suprimentos.
Morsman ficou em sua cama, mas o tempo passou e Heydar não
voltava, Morsman resolveu sair, foi para a rua comercial mais próxima chamada
Pah´Djé.
Após procurar alguns minutos, Morsman logo viu a bagunça,
a rua parecia ter sido saqueada durante o apagão. Logo a frente envolto em
escombros do que outrora foi uma loja, encontrava-se Heydar semi inconsciente,
sem seus pertences e sangrando.
Morsman não falava muito de Bukara, além das típicas
frases de turista, mas dadas as circunstâncias, seus gestos dispensavam as
palavras. Com parte de sua camisa fez uma atadura para parar o sangramento e
quando já estava carregando Heydar nas costas, viu um grupo de jovens Bukaras
armados de paus e carregando coisas, claramente vândalos.
Morsman carregando um ferido e sozinho contra aquele grupo
não tinha muita chance, quando um do grupo aponto para eles e gritou algo em um
dialeto bukkara.
-Não vão te pegar, Heydar!- Disse Morsman pegando um
pedaço de pau com pregos que estava no chão.
O grupo disparou para cima de Morsman que se colocava a
frente de Heydar que já mais consciente gritava algo que Morsman não entendia.
O grupo devia ser formado por 7 a 8 Bukkaras de uns 17 anos, que apesar de
terem quase um metro e meio, não davam muita chance a Morsman dada a proporção
numérica.
O Primeiro chega e Morsman o acerta com o pau que com os
pregos, fica cravado no bukkara que cai ao chão inconsciente, os outros recuam
e entram numa loja. Morsman com o coração em disparada pega Heydar julgando ser
essa a chance de escapar, quando olha para trás e vê o grupo voltar armado com
facas e um que parecia ter um revolver.
-Quer Saber Heydar? Linha 7 do Bukarta : “Perder uma
batalha para ganhar uma guerra não é uma derrota.” Pernas pra que te quero!-
Disse Morsman saindo em disparada carregando Heydar sobre os ombros como um
saco de café.
Morsman escuta um zumbido passar perto de sua orelha,
claramente um tiro. Seu coração acelera, seu corpo gela. Morsman não era um
atleta, já começara a sentir o cansaço de correr carregando um homem adulto por
três quarteirões, ate que ao virar a esquina dá de cara com um homem encapuzado
vestido de amarelo, sendo que não era possível ver seu rosto.
-Fique quieto rapaz! Deixe eu fazer o que sei fazer de
melhor! E o que eu sei fazer de melhor, não é bonito!- Disse o homem encapuzado
em teute, o que foi surpreendente devida a circunstâncias.
O Homem encapuzado tira de dentro de seu manto um revolver
e calmamente mira e atira no vândalo que estava atirando, o qual cai ao chão
como um saco de areia. Em seguida ele guarda o revolver e desembainha uma
espada, os membros restantes gangue ao ver o companheiro caído morto ao chão,
saem em disparada.
O homem de capuz se vira para ir embora sem dizer nada.
-Senhor! Obrigado! Por favor, este homem está muito
ferido, precisamos de um médico!- Disse Morsman.
-Nem tente levá-lo aos hospitais garoto! Depois do
blecaute estão todos uma bagunça! Venha comigo até a Praça Central! Venha
comigo! Conheço alguns monges que podem ajudar!- Disse o homem novamente em
teute.
Após andarem algum tempo, Morsman não se agüenta mais de
curiosidade sobre o estranho.
-Como o senhor fala teute?- Perguntou Morsman.
-Eu aprendi!- Disse o homem secamente.
-Foi muita coincidência esbarrarmos com o senhor!- Disse
Morsman feliz, tentando puxar assunto.
-Não existem coincidências, garoto!- Disse o homem do
capuz.
120 horas em Lhassa - Parte XXII
26 horas, 26 minutos
O Dalai Lama acordou de um breve cochilo quando ouviu o
barulho de uma mão batendo na pesada porta de cobre desgastado.
-Entre, entre, por favor.
A porta se abriu e Dao Rinpoche entrou, curvando-se e
tentando andar ao mesmo tempo, o que o dava um ar meio patético.
-Vossa Santidade, a missão foi cumprida- disse em um tom
de voz que beirava o respeitoso e ainda assim não chegava à sê-lo, causando um
efeito estranho.
-Que ótimo. Guardas, levem ele.
Rinpoche levantou a cabeça.
-Perdão, senhor?
Nesse momento, dois guardas que estavam sentados ao lado
do Dalai Lama se levantaram e agilmente agarraram Rinpoche pelos braços.
-Espere! Espere! O que está acontecendo?
-Sua incompetência quase arruinou esta grande nação, Rinpoche.
Se não fosse você, o plano de mandar bombardear a praça teria sido um sucesso.
É tarde para remediar, mas não para puní-lo.
-ESPERE! ESPERE! O QUE VÃO FAZER? SEU... SEU CORNO! VOCÊ
NÃO PODE ME JULGAR! APENAS O KARMA JULGA!
O Dalai Lama se ergueu, e ficando sério, pronunciou,
tonitruante:
-Karma? Você não entendeu nada. Eu sou o Karma, Rinpoche.
pra todos os efeitos, eu sou até Buddha. Se você não entendeu isso, a resposta
estará no pé dessa montanha.
-NÃÃÃÃÃÃÃÃÃO!
Rinpoche agitou-se freneticamente enquanto era arrastado
pelo saguão até ser levado para um vão íngreme que se abria sobre a imensidão
dos Himalaias. Os soldados, sem a menor cerimônia, jogaram o velho ministro
montanha abaixo, e seu grito rasgou o silêncio imortal da montanha até ser engolido
por ele.
120 horas em Lhassa - Parte XXI
25 horas, 07 minutos
O sol mal nascera e já começara à se acovardar novamente
atrás das nuvens. Vai chover, pensou Zheng Gyatso. Desde que retornara ao
Promontório Sereno, ficara sentado à observar o vazio, enquanto soldados
esperavam atrás dele, confusos, em desespero, perdidos na ausência de ordens.
Via a cidade lá embaixo e os berros da multidão que prosseguiam. De repente,
alguns postes hesitantemente começaram á exibir uma luz fraca e bruxuleante.
Pouco à pouco, todos os postes da Praça foram acendendo. A energia voltara.
Gyatso checou seu celular. Imediatamente, ele começou á
tocar. Era o Lama Poteng. Gyatso então teve uma sensação curiosa; tivera a
impressão de ter visto a sua sobrinha- qual era o nome dela mesmo? Enfim, a
garotinha que vira há dois anos em seu aniversário. Havia crescido e já era uma
mulher, mas ele pôde reconhecer as suas feições. Talvez fosse algo que Poteng
merecesse saber.
Atendeu o telefone.
-Alô Poteng?
-Gyatso, cadê as explosões? Vossa Santidade já disse uma
dúzia de coisas não publicáveis sobre você. Ataque, ele está apressado.
-Poteng, eu vi a sua sobrinha.
-...Hein? Li?
-É, acho que sim. Ela está na Praça Central.
-Na praça?!? Puta merda.
-É. Acho melhor você ir lá e falar algo com ela.
-Caramba... Mas Gyatso, sério, assim que essa munição
chegar, vá com tudo pra cima dos manifestantes! Não deixe pedra sobre pedra!
-Certo. Até logo.
Zheng Gyatso desligou o celular e continuou mais uma vez à
olhar para a Praça. Um dos soldados finalmente tomou coragem e aproximou-se,
cutucando-o nas costas.
-Senhor... o carregamento de munições estará aqui dentro
de cinco minutos. Devemos iniciar o processo de mira?
Zheng Gyatso desgrudou-se da voz do soldado e, por um
instante, teve a impressão de ouvir pássaros cantarem. Aquela região toda era
muito árida e não escutava o canto de pássaros há vários anos.
Gyatso cutucou o pequeno volume que sentia no bolso.
-Não.
-Perdão?
-Faça o seguinte. Retire a artilharia do Promontório e
mande-a de volta para a estação.
-O que?! Senhor, eu não entendo...
-É uma ordem. Está questionando um general?
-Não, Senhor.
-Então faça-o.
O soldado saiu rapidamente distribuindo ordens e ninguém
entendeu nada, mas a artilharia logo foi sendo conduzida para fora do
Promontório. Gyatso nesse meio tempo retirou o volume que estava em seu bolso:
uma pequena pistola automática.
Todos os caminhos levavam à um mesmo fim. Ele escolhera o
mais curto, e o único que lhe daria satisfação.
Era uma bela visão. Gyatso tentou fixá-la. A multidão
irada, que continuava berrando; o mármore do chão do promontório; o cantarolar
dos pássaros que mais parecia uma ilusão esquecida.
Levou a mão a cabeça.
Nada mais importava- nem o soldado que correu em sua
direção gritando seu nome e de quem ele apenas via os calcanhares, nem o homem
com quem dividia seu nome e cujos abusos ele por muito tempo suportara.
Após anos servindo a religião buddhista com mais desprezo
e descrença do que fé e dedicação, ele chegara lá.
Ele chegara ao Nirvana.
120 horas em Lhassa - Parte XX
24 horas, 42 minutos
Zheng Gyatso e Chimid se apertaram as mãos e se sentaram à
mesa. Havia uma certa afobação e artificialidade naqueles gestos- ambos sabiam
que iriam se desentender em breve.
-E então General. Como está a sua pequena República
Popular da Praça Central?
-Uma beleza. Não vê? Temos uma das populações que mais
cresce no mundo e um mercado imobiliário que não pára de crescer- disse Chimid,
apontando para as tendas.
Os dois deram uma boa risada, como amigos de infância.
-Certo, Chimid. Diga-me então. O que esse povo deseja
tanto?
O rosto de Chimid tornou-se plácido e ele tomou um gole
d’água.
-Não sei bem o que o povo quer. Isso realmente importa?
-Como é?
-O povo não terá a parte de comando nesse golpe. Ele será
dirigido pelos militares, e usaremos o povo como bem entendermos.
-Isso... é nojento. Você é um militar. Deve proteger o
povo.
-Eu devo? O povo não quer ser protegido. O povo quer que
eu derrube os muros desse palácio e exponha seu luxo decadente, suas
contradições inerentes, as palavras vazias que dele saíram e que sempre estiveram
podres. Eles querem que eu abra o estômago da besta e mostre-o para eles em
toda a sua feiúra. Em suma, eles querem a sua cabeça, Gyatso.
Gyatso congelou e seu rosto ficou branco.
-Você... não passa de um mentiroso safado! Esse golpe é
uma armação! Assim que a energia voltar, vou revelar tudo!
Chimid riu.
-Revelar o que? Depois de 70 anos de mentiras, alguém vai
acreditar no Dalai Lama? Isso vai ser apenas mais um de seus absurdos contos.
Gyatso não disse nada. Chimid então continuou.
-Passemos às condições. Meus batedores confirmaram a
presença de sua artilharia no Promontório. Me falaram de você e sei que você só
dispara se o inimigo estiver desarmado. Como pode ver, não é o caso.
Gyatso assentiu.
-Porém, tenho um acordo para você: retire a artilharia, e
eu deixarei minhas armas no chão. É a única condição que tenho a propor.
Chimid chamou dois soldados que rapidamente retiraram a
mesa e deixaram Gyatso sozinho, em sua cadeira, olhando para o vazio.
120 horas em Lhassa - Parte XIX
24 horas, 36 minutos
Uma multidão se reunia em torno de um homem pequeno e meio
flácido, mas que nessa ocasião parecia um gigante. A multidão era de pessoas da
mídia, que escreviam cada palavra do homenzinho, o General Chimid, de maneira
febril e em gestos simultâneos em pequenos caderninhos.
-Tyu, me levante!
-Porque?
-Quero ver o General, ora!
Tyu, relutante segurou Li pelos quadris e levantou-a. De
longe, percebeu uma mudança. A manchinha verde-oliva no centro da multidão
parecia estar conversando com outra manchinha verde-oliva, enquanto todos
paravam de anotar o que a primeira manchinha estava dizendo.
-Senhoras e senhores!- Anunciou a mancha, que ela agora
reconhecia como o General Chimid- Tenho uma grande notícia para vocês. Hoje,
ainda que não tenhamos nenhuma mensagem do Dalai Lama, o Ministro da Guerra
Zheng Gyatso aceitou iniciar uma rodada de negociações!
O burburinho se intensificou e virou clamor popular. Li
via aquela mancha distante e via nele o verdadeiro líder de Bukkara. Chimid
acenou e andou em direção à uma mesa que alguns de seus acessores estavam
montando, enquanto um jipe saía da rampa de acesso do Palácio Potala.
120 horas em Lhassa - Parte XVIII
24 horas, 25 minutos
-E então, onde exatamente está o tal de Chimid?
-Ele está lá perto dos caixotes. Digam-me, por que desejam
vê-lo?
-Ah, sou repórter do Canal 4.
-E eu sou o cameraman dela.
O soldado parou um instante e olhou para Li, com sua roupa
meio-pijama, meio-tailleur amassado. Repórter. Certo.
Depois de uma longa caminhada, finalmente avistaram os
caixotes e do lado deles, um enorme caminhão do exército.
________________
O sol começava à nascer em Bukkara mas já havia chegado
faz tempo no Promontório Sereno, onde a nuca careca de Zheng Gyatso já estava
vermelha como a túnica de um monge.
Os gritos da multidão continuavam e sua cabeça estava cada
vez mais dolorida.
Atacar ou não atacar? Se atacar, tenho uma chance de me
livrar deles e ganhar o amor do Dalai Lama. Mas nada os impede de entrar no
Palácio mesmo assim- seus números são muito superiores, e as chances de eu
mesmo ir parar no cadafalso logo depois são enormes. Mas se não atacar, não
quero nem pensar no que o velho Tenzin vai fazer com meu couro.
-Tenente!
-Sim Senhor General, Senhor!
-A munição já chegou?
-Não senhor, o blecaute ainda não foi resolvido.
-Certo... Certo.
Talvez Chimid não fosse tão ruim. Já ouvira falar bem
dele; que era um cavalheiro, sempre disposto à dialogar- um dos oficiais mais
respeitados pelos subalternos em todo o Exército. E, é claro, um pouco de
diálogo não faria mal.
-Tenente!
-Sim?
-Prepare meu jipe. Eu vou descer.
120 horas em Lhassa - Parte XVII
24 horas, 5 minutos
-Bom dia flor do dia.
Li abriu os olhos e levou um susto de ver Tyuugai de
cócoras ao lado de seu saco de dormir. Tyuugai começou a rir.
-Tyu... o que está fazendo aqui? Como descobriu minha
barraca?
-Usamos essa mesma barraca para cobrir o degelo dos
Himalaias ano passado, lembra?
-Certo. Mas isso ainda não responde a primeira pergunta.
-Bom- disse Tyuugai pousando um prato que carregava no
chão. O prato tinha vários pães de que pareciam ter sido esquecidos numa
fogueira.-Trouxe café da manhã.
-Oh, isso é gentil... mas, com todo o respeito, o aspecto
não é dos melhores.
-Eu comprei isso no supermercado e paguei uma velhinha
para que ela esquentasse isso em seu fogão à lenha portátil. Aparentemente, o
forno da padaria não estava funcionando. Ah, também trouxe chá... frio, porque
na cidade inteira não tem nenhum lugar pra esquentar água.
-Como assim?
-Você não soube? Está ocorrendo um blecaute, e dos
grandes. Nenhum objeto eletrônico ou movido à eletricidade está funcionando. A
população parece estar suportando isso meio mal e a maioria nem foi ao
trabalho. O supermercado só tinha um caixeiro.
Li tentou arrumar o cabelo, que estava tapando a sua
visão, e falhou terrivelmente.
-Isso está tudo muito bizarro. Bom, eu vou pra fora.
-De pijama?
-É claro que sim. Não, eu vou me vestir primeiro né! Sai,
Tyu.
Tyuugai revirou os olhos e saiu. Mais alguns militares
passaram na frente da cabana. O que eles estavam fazendo lá?
-Oi. Posso saber exatamente o que está acontecendo?-
perguntou Tyuugai. O soldado, fingindo modéstia, disse:
-Nada de mais. Recebemos ordens do General Chimid para
ocupar a Praça, e à qualquer momento devemos entrar no Palácio Potala e
derrubar a ordem vigente.
Tyuugai ficou em silêncio um instante, olhando divertido
para o soldado.
-Isso não é sério, é?
-Não, é sim.
Nesse instante, Li saiu da barraca e olhou rapidamente
para o soldado e então para Tyu. Havia penteado os cabelos e agora seus olhos
estavam visíveis, e neles Tyuugai viu a mais pura mistura de medo com
esperança.
120 horas em Lhassa - Parte XVI
24 horas, 01 minutos
Um dia exatamente após o início dos protestos, uma
observação rápida estimaria a quantidade de pessoas na Praça Central em muita,
muita gente. Uma observação um pouco mais demorada e apoiada por dados sobre
quem atravessou em que momento as ruas que levam à Praça elevaria esse número
para 274 851 pessoas. As pessoas que haviam ido para a Praça assistir o suposto
discurso do Dalai Lama descobriram os manifestantes que ainda lá estavam e
foram engrossar o coro que cantava: "Morte ao Dalai Lama! Viva a Liberdade!"
Era esse o canto que se ouvia distintamente de dentro da
sala da Harmonia Celestial, onde mais uma vez o Dalai Lama e seus ministros se
reuniam.
-Bom, bom, bom. Senhores, se vocês tem todos um par de
ouvidos que funciona- o que infelizmente, não sei se aplica-se á todos- já
devem saber do que se tratará essa reunião. Em primeiro lugar, esse suposto
golpe de estado que está sendo tramado por uma...
-Um grupo de porcos, é o que são!- interrompeu Lama
Gangchen.-Aliás, vão todos acabar como porcos, em sua próxima vida!
-Não me interrompa, Gangchen. Como Buddha já disse, seus
direitos terminam onde começam os dos outros, e- adição minha- é meu direito
dizer para você calar a boca.
Ninguém se deixou levar por aquela citação; o Dalai Lama
tinha uma prática curiosa de criar citações inexistentes de Buddha, muitas
vezes roubadas da sabedoria popular e outros famosos. Muitos se perguntavam
quando ele diria que foi de Buddha a frase "a religião é o ópio do
povo".
Isso na verdade já havia acontecido, no Réveillon de 1980,
um evento que o Ulukorbak teve dificuldade em suprimir da história.
-Bom. Agora, Gyatso, você que é teoricamente especialista
em questões militares, diga-me: Se, na verdade, eles possuem cerca de 20 mil
soldados na Praça... é o número certo, Coronel?
Luvsanshara tomou um gole de seu chá quente, e, esfregando
os olhos, disse:
-Bom senhor, ainda não recebi nenhuma informação nesse
ponto. Todos os equipamentos do Ulukorbak parecem ter sido desligados.
-Como?
-Sim, Vossa Santidade. Parece ter ocorrido um blecaute na
cidade.
Rinpoche não podia mais esperar. Estava derretendo de
vontade de tomar responsabilidade por aquele feito.
-Senhor... Dos males, o menor- disse, com ares
grandiloqüentes. Eu liguei- ou melhor, desliguei- a Tomada Universal.
-O que?!-Exclamou o Dalai Lama.
-Sim. Fiz isso para impedir que a mídia espalhasse as
notícias da rebelião.
-É sério. Se alguém mais está tomando decisões SEM ME
CONSULTAR, que fale agora ou cale-se para sempre- ironizou o Dalai Lama.
-Voltando às tropas- disse Luvsanshara, fazendo um sinal
para que Rinpoche se sentasse, o que este fez, decepcionado por não conseguir a
atenção que esperava.-Eu tenho um agente muito competente, especialista em
recolher dados, e que poderá determinar quantas pessoas e especialmente quantos
soldados há na Praça. Porém, devo dizer que não sei se ele veio trabalhar hoje.
Na verdade, é provável que todo mundo na central do Ulukorbak já tenha voltado
pra casa, porque não há nada pra fazer lá, simplesmente porque ALGUÉM resolveu
acabar com a energia elétrica de todo o país.
-...Todo o país?
-É. Não lê os relatórios? Entre 1999 e 2000, a Tomada
Universal foi conectada à uma rede de Emissores de pulso espalhados por toda
Bukkara. Era o que nos permitiria desligar áreas do país separadamente.
O rosto de Rinpoche ficou branco.
-Ehm... Vossa Santidade, eu... eu não sabia...
-Rinpoche, menos choro e mais ação. Mande alguém para
desligar o EMP.
-Senhor... não tenho como contactar o Ministério de
Energia e Infraestrutura.
-Ah é? Então vá você! Mas eu quero esse país funcionando
daqui à no máximo uma hora! Saia já agora!
Rinpoche saiu da sala, acovardado e de cabeça baixa,
arrastando os pés e ainda assim de algum jeito andando rápido.
-Quanto à você, Gyatso. Tem meu total consentimento para
lançar a carga de artilharia. Quanto a você, Tempa...
Tempa Jamyang até então estava distante da reunião,
sonolento e recostado em sua almofada.
-Sim, Vossa Santidade.
-Faça um discurso em rede nacional explicando o motivo do
blecaute elétrico súbito.
-Uma manifestação de luto pela morte da Imperatriz
Bórvura, por exemplo?
-...Ela morreu? Grande Buddha.
120 horas em Lhassa - Parte XV
23 horas, 48 minutos
Odor de cânhamo, sândalo, incenso. Pó de rosas e várias
outras flores.
O barulho de alguém batendo na porta.
Irritadiço por ser interrompido quando quase pôde provar
do Nirvana, o Dalai Lama disse:-Pode entrar.
Não se virou para ver quem era, mas pôde ver uma sombra
que se projetava sobre sua frente.
A sombra se prostrou e murmurou no ouvido do Dalai Lama.
-Senhor, é sobre a situação da Praça Central.
-Diga-me.
-Ela se deteriorou. Nesse momento, tropas estão ocupando a
praça e se juntando aos rebeldes.
O Dalai Lama tentou dar a impressão de que mantinha a
calma mas a preocupação o roia por dentro. Virou-se e reconheceu o Ministro da
Guerra.
-Convoque uma reunião.
120 horas em Lhassa - Parte XIV
22 horas, 47 minutos
O jipe deslizou com certa elegância até a Praça das
Honrarias Militares, a única parte do Palácio Potala em que era possível
circular de carro. O jipe passou em frente às tropas em uniformes vermelhos de
gala.
De dentro do jipe, saiu o Ministro da Guerra Zheng Gyatso,
usando um uniforme verde-oliva repleto de medalhas pesadas, cujas golas, de tão
grandes escondiam parte de seu pescoço e que parecia ter sido feito para um
homem bem maior.
Gyatso bateu continência para suas tropas, que fizeram o
mesmo. Sorriu, e tirou seus óculos escuros. Gyatso tirou do bolso um pequeno
aparelho em forma de controle remoto, e os soldados, carregando suas armas em
posições ensaiadas, encheram o pátio de hurras. Gyatso sentia o poder
transbordando de suas mãos. Estava pronto para a glória.
Gyatso ligou o detonador.
-SINTA A MINHA IRA, LUVSANSHARA! ESSE É O BARULHO DA SUA
SUBSTITUIÇÃO! SOU INDESTRUTÍVEL! MEU PINTO SÃO ESSES CANHÕES E A SUA VAGINA É
ESSA MULTIDÃO INDEFESA!
Nada aconteceu.
Os soldados tentaram mascarar o silêncio constrangedor com
mais hurras, mas não funcionou. Uma hora, eles simplesmente pararam e Luvsanshara
ficou sozinho com seu detonador.
-Ah! Merda! Merda! O que aconteceu!? Cadê a minha linda
explosão? EU EXIGO EXPLICAÇÕES!
Como ficou sem resposta, o rosto de Zheng Gyatso corou até
ficar vermelho como um pimentão. Tomado de raiva e humilhado diante de seus
homens, o Ministro da Guerra deixou o pátio e andou pelo corredor cor de
carmim.
Maldito defeito! Tem dedo do Ulukorbak nisso. -Pensou.
Após cerca de 20 minutos de carro, chegou ao Promontório
Sereno, onde a artilharia parecia estar desorganizada e vários militares
corriam por aí, formando rodas de conversa com expressões de preocupação, e
então voltando a correr, reiniciando o processo. Parecia que estavam tentando
parecer ocupados, mais do que tentar resolver o problema.
Gyatso foi recebido por um militar afobado.
-Ministro da Guerra! Q-Que surpresa... estávamos nos
pe-perguntando porque não recebemos seu sinal...
-Eu enviei o sinal, imbecil! O aparelho é que não estava
funcionando.
-Senhor, o aparelho é o de menos. Não recebemos a munição.
O trem que ia trazê-lo deveria ter chegado há quase meia hora, mas não chegou.
Mandamos alguém para descobrir o que aconteceu e cobrar satisfações.
-O QUE?- berrou Gyatso. Já não estava entendendo nada.
-Major! Major!
Um soldado imberbe e com falta de ar correu em direção ao
Ministro, e bateu continência aos dois, ficando surpreso em ver o Ministro.
-Senhor Ministro, Senhor!
-Descansar, soldado. O que nos traz?
-Major... tropas estão ocupando a Praça.
-Como?!
-Eu trouxe um binóculo.
O Major olhou pelo binóculo e seu rosto encheu-se de
confusão.
-Passe-me isso, idiota!
O Major passou resignado o binóculo e através dele o
ministro viu dezenas de soldados chegando em jipes lotados. Havia algo de
errado. Os soldados não estavam ajudando à dispersar a multidão- estavam se
juntando à ela!
120 horas em Lhassa - Parte XIII
22 horas, 47 minutos
O jipe deslizou com certa elegância até a Praça das
Honrarias Militares, a única parte do Palácio Potala em que era possível
circular de carro. O jipe passou em frente às tropas em uniformes vermelhos de
gala.
De dentro do jipe, saiu o Ministro da Guerra Zheng Gyatso,
usando um uniforme verde-oliva repleto de medalhas pesadas, cujas golas, de tão
grandes escondiam parte de seu pescoço e que parecia ter sido feito para um
homem bem maior.
Gyatso bateu continência para suas tropas, que fizeram o
mesmo. Sorriu, e tirou seus óculos escuros. Gyatso tirou do bolso um pequeno
aparelho em forma de controle remoto, e os soldados, carregando suas armas em
posições ensaiadas, encheram o pátio de hurras. Gyatso sentia o poder
transbordando de suas mãos. Estava pronto para a glória.
Gyatso ligou o detonador.
-SINTA A MINHA IRA, LUVSANSHARA! ESSE É O BARULHO DA SUA
SUBSTITUIÇÃO! SOU INDESTRUTÍVEL! MEU PINTO SÃO ESSES CANHÕES E A SUA VAGINA É
ESSA MULTIDÃO INDEFESA!
Nada aconteceu.
Os soldados tentaram mascarar o silêncio constrangedor com
mais hurras, mas não funcionou. Uma hora, eles simplesmente pararam e Luvsanshara
ficou sozinho com seu detonador.
-Ah! Merda! Merda! O que aconteceu!? Cadê a minha linda
explosão? EU EXIGO EXPLICAÇÕES!
Como ficou sem resposta, o rosto de Zheng Gyatso corou até
ficar vermelho como um pimentão. Tomado de raiva e humilhado diante de seus
homens, o Ministro da Guerra deixou o pátio e andou pelo corredor cor de
carmim.
Maldito defeito! Tem dedo do Ulukorbak nisso. -Pensou.
Após cerca de 20 minutos de carro, chegou ao Promontório
Sereno, onde a artilharia parecia estar desorganizada e vários militares
corriam por aí, formando rodas de conversa com expressões de preocupação, e
então voltando a correr, reiniciando o processo. Parecia que estavam tentando
parecer ocupados, mais do que tentar resolver o problema.
Gyatso foi recebido por um militar afobado.
-Ministro da Guerra! Q-Que surpresa... estávamos nos
pe-perguntando porque não recebemos seu sinal...
-Eu enviei o sinal, imbecil! O aparelho é que não estava
funcionando.
-Senhor, o aparelho é o de menos. Não recebemos a munição.
O trem que ia trazê-lo deveria ter chegado há quase meia hora, mas não chegou.
Mandamos alguém para descobrir o que aconteceu e cobrar satisfações.
-O QUE?- berrou Gyatso. Já não estava entendendo nada.
-Major! Major!
Um soldado imberbe e com falta de ar correu em direção ao
Ministro, e bateu continência aos dois, ficando surpreso em ver o Ministro.
-Senhor Ministro, Senhor!
-Descansar, soldado. O que nos traz?
-Major... tropas estão ocupando a Praça.
-Como?!
-Eu trouxe um binóculo.
O Major olhou pelo binóculo e seu rosto encheu-se de
confusão.
-Passe-me isso, idiota!
O Major passou resignado o binóculo e através dele o
ministro viu dezenas de soldados chegando em jipes lotados. Havia algo de
errado. Os soldados não estavam ajudando à dispersar a multidão- estavam se
juntando à ela!
120 horas em Lhassa - Parte XII
16 horas, 50 minutos
-Esse lugar me dá calafrios.
-Cale a boca, Hefei.
Haviam dirigido durante uma hora por uma estrada oculta
que saía do Palácio Potala e levava às montanhas. O carro havia parado numa
estrada de terra cercada por todos os lados de pedregulhos. A estrada levava
até o alto de uma montanha onde um prédio austero de concreto dominava a
paisagem. Um raio bateu ao lado da estrada, lançando uma luz azulada sobre o
rosto de Hefei.
-Vamos- disse Rinpoche com uma voz tonitruante.
Eles entraram no prédio, e Hefei não sabia direito o que
fazer. Tinha apenas a memória das descrições dadas por Tugh Ook, o ministro
anterior, morto havia quase duas décadas. Tentou associar o que via com a
descrição, mas não deu certo. Aquele era terreno de Rinpoche.
-Sabe que eu tirei esse lugar da jurisdição do Ulukorbak em
2003? Eles diziam que exercia controle sobre a mídia, logo eles deveriam ter a
chave desse complexo. Mas, eu consegui convencer o júri de que ele caía melhor
na função do Ministério de Energia e Infraestrutura.
-Nunca ouvi falar desse julgamento.
-É porque foi secreto.
Hefei olhou espantado para o ministro, que explicou.
-O que, acha que Bukkara ia sair revelando suas armas
secretas por causa de um mero litígio judiciário? Não, não. Ah... chegamos.
De fato, haviam chegado ao centro da estrutura; um chão de
metal gradeado rodeava um pequeno aparelho circular que parecia ser feito de
alumínio, iluminado por uma luz fria que vinha do teto.
-Essa... é a Tomada Universal?
-Isso mesmo. O local que retransmite todas as ondas de
satélite enviadas pelo Ulukorbak... e o único que pode interrompê-las, via um
pequeno emissor de pulso eletromagnético. É tão genial, e tão simples ao mesmo
tempo. Fico com orgulho de ter feito parte da equipe que o desenvolveu.
-Isso é sério?
-Sim, sim. Bom, o que está esperando? ligue-o.
-Eu? porque eu? Você o desenvolveu.
-Está negando uma ordem de seu ministro?
Hefei engoliu em seco. Rinpoche podia ainda estar bêbado
mas não estava mais indefeso. Decidiu prosseguir. Com a mão tremendo,
aproximou-se do aparelho.
-Agora veja. Aperte o botão azul, depois o amarelo, depois
puxe a alavanca.
Hefei, temeroso, apertou logo o botão azul, e o som de um
poderoso ventilador industrial se fez ouvir. Estava com medo.
-Amarelo! Amarelo!- urrava Rinpoche.
Apertou o amarelo, e o barulho se intensificou. Uma
clarabóia se abriu no teto e a luz azul cresceu, quase cegando Hefei.
Determinado à continuar enquanto um vento sobrenatural
sobrava ao redor de si, puxou a alavanca.
Tudo parou. A luz diminuiu e o barulho bíblico que vinha
das paredes diminuiu até parar, e a máquina agora parecia ronronar. Um contador
anunciava: 1%... 1%... 1%...
-É isso?
-É claro que não. Vai demorar pelo menos 4 horas até o
pulso entrar em ação.
-4 horas?!
-Sim, sim. Desligar um canal é fácil e leva alguns
segundos. Interromper todas as ondas? Demora, e na verdade, não faz muito
sentido. Porque iríamos querer interromper todos os canais ao mesmo tempo?
Nunca criamos essa máquina para ser realmente eficiente, até porque nunca
imaginávamos que iríamos precisar interromper toda a mídia de Bukkara.
-Bom... então, agora... esperamos?
-Acho que sim. Se quiser, eu dirijo dessa vez.
120 horas em Lhassa - Parte XI
15 horas, 27 minutos
-Traidores! Não passam de traidores! Todos vocês!
O Ministro da Energia Dao Rinpoche esbravejava contra o
vento poderoso que batia contra a grande varanda do Palácio Potala. Ninguém o
ouvia. Os gritos de Rinpoche eram desesperadoramente impotentes ante o vento
ancestral e o burburinho da multidão. E, para o seu assessor, o velho Hefei, a
cena de seu patrão dependurado em uma das grades de madeira vermelha da
varanda, segurando uma garrafa de conhaque envelhecido seria bastante
constrangedora se já não tivesse se repetido tantas vezes.
-Senhor... posso ser um mero criado, mas minha experiência
me diz que esbravejar contra a multidão não a fará se dispersar.
Rinpoche virou para ele e seu rosto formou uma grande
caricatura enrugada.
-Ora seu fede...- Rinpoche tentou acertar Hefei com a
garrafa, mas este deu dois passos para o lado. Rinpoche perdeu seu alvo e
tropeçou no próprio manto, caindo de cara no chão. A garrafa quebrou e seu
conteúdo molhou o rosto do ministro, que engasgou e começou à babar enquanto
choramingava, percebendo o sangue em sua testa.
-Olha pra mim- soluçou- Estou uma bosta! Como posso ser o
ministro da energia nesse estado?
-Senhor ministro, você está uma bosta sim- disse Hefei com
um sorriso. Ele aproveitava sempre que Rinpoche ficava bêbado para insultá-lo o
máximo que podia.-Mas, se posso dar uma opinião... O seu antecessor me falou
certa vez de um poderoso equipamento. Acho que pode ser exatamente do que
precisamos.
-O que?- balbuciou.
-A mídia, senhor. Ela está toda aqui. Se pudermos usar...
-Espera, espera, espera. Levante-me.
Hefei ajudou Rinpoche à se levantar, com muita
dificuldade.
-Você não está falando... da Tomada Universal, está?
-Estou sim, chefe. É só o que pode nos salvar agora. Se
impedirmos a propagação das notícias impediremos que a revolta se espalhe para
outras cidades.
Rinpoche olhou para a praça, que agora parecia uma cidade,
infindáveis velas se estendendo como um tapete de estrelas.
-Hefei- disse, recompondo-se.- Pegue meu casaco. Vamos
desligar o país.
120 horas em Lhassa - Parte X
15 horas, 40 minutos
Uma pequena
lamparina á gás, um saco de dormir e um livro que um norueguês escrevera sobre
a pesca das baleias: tal era o que se encontrava na simples tenda laranja que
Li montara para acampar na Praça Central.
Nunca fora tão feliz na vida. Mesmo depois de passar o dia
berrando e dormir em um lugar sem qualquer luxo, estava feliz de ter quebrado a
rotina e sentia que tinha contribuído em algo para a sociedade, o que a enchia
de alegria.
Quando já abria o saco de dormir para deitar, ouviu uma
voz vinda de fora.
-Alô. Quem está aí dentro.
-Li. Perdão, mas quem está aí fora?
Li se aproximou da porta de tela e por ela logo teve a
impressão de reconhecer uma silhueta. Abri a porta. Era o monge que encontrara
mais cedo.
-Ah, é você. Algum motivo especial para aparecer aqui?-
disse, alegre.
-Nada não. Só gostaria de parabenizá-la pela sua ação
hoje. Você... Fez muito por nós.
-Fico feliz que tenha gostado.
-Posso entrar?- disse, abruptamente.
Li hesitou. Por um lado, era um completo estranho, e
convidar completos estranhos para uma tenda que ainda por cima estava perdida
num mar de tendas praticamente idênticas talvez fosse má idéia. Por outro lado,
pelo menos em teoria era um monge- e monges pregavam a não violência.
-Certo. Pode entrar- disse ela, fazendo um ar misterioso.
Jung sentou ao lado do saco de dormir, em frente de Li.
-Então, você é repórter, não?
-É isso aí. Tenho até minha própria equipe.
-Quem sabe amanhã então você pode nos filmar como disse.
Antes que se desse conta, percebeu que Jung estava
mirando-a com os olhos e parecia que já o estava fazendo há muito tempo. Ambos
ficaram se olhando, em silêncio, porém todos os seus gestos eram calculados
para representar tudo aquilo que queriam dizer.
Antes que pudesse fazer qualquer coisa à respeito, Jung
começara à acariciar o seu rosto lentamente, e, subitamente, a barraca, que até
pouco mesmo com o aquecedor ligado estava gelada, estava agora muito mais
quente, até agradável.
Antes que notassem, os dois estavam de olhos fechados e
seus rostos se aproximaram até se tocarem.
-Espera- disse Li, voltando à si, deixando de lado seu
jeito misterioso e convidativo- Isso não está certo. Eu... eu sou virgem.
Jung começou à rir.
-Minha filha, eu sou um monge. Não dá pra ficar mais
virgem que isso. Hoje cedo o mundo foi nosso. Agora, temos apenas um ao outro.
O ritual recomeçou e seus corpos logo se tocaram mais uma
vez, até que um barulho vindo de fora os interrompeu.
-Ai saco... espera... que movimentação é essa?- olhou pela
porta de tela, apontando com a lanterna.
-Ei! Canal 5... Canal 1... CANAL DO ESPORTE? o que toda
essa gente está fazendo aqui!?- Li olhou para Jung, confusa. -Jung! Minha
cobertura! O que está acontecendo?
-Eu... eu não sei! A mídia toda está aqui?
-Aparentemente, está. Droga, Jung!
-Eu... eu não previ isso. Tem alguma coisa errada. Acho
que as coisas estão saindo de nosso controle.
Li re-abotoou o terno e saiu da barraca, para o grande
desapontamento de Jung.
Saco.
___
-Ei, vocês. São do Canal do Esporte, né?
Os repórteres, um grupo de pessoas bastante confusas,
todas de roupão e pantufas, olharam-na de cima à baixo e responderam:
-É, é, somos.
-E... o que exatamente estão fazendo aqui?
-Não sabemos. Aquele cara... quem é mesmo?
-O Ministro da Cultura.
-Isso, ele disse para virmos para cá registrar o discurso
do Dalai Lama, mas isso aqui tá mais parecendo uma manifestação.
Li desligou-se um instante.O Ministro da Cultura está
conosco? Pera, temos um Ministro da Cultura?
120 horas em Lhassa - Parte IX
13 horas, 26 minutos
Na sala de reuniões da base de Karamcharai, vizinha da
base aérea de Ogan, as discussões estavam sendo feitas em murmúrios. À qualquer
momento, o Ministro da Guerra iria chegar, para falar de um assunto importante.
A porta bateu, e todos olharam para trás. O Ministro
entrava, dando passos largos, e gritando no caminho.
-É UM ABSURDO! VOCÊS VIRAM O QUE FIZERAM NA PRAÇA CENTRAL?
VIRAM?! VIRAM?!
Todos já sabiam , mas não disseram nada com medo de soarem
grosseiros.
-FICARAM PELADOS! ESTÁ TODO MUNDO FICANDO PELADO EM FRENTE
AO PALÁCIO POTALA! Isso precisa acabar.
Um criado andou até Gyatso, carregando uma bandeja com um
copo d’ água. Os assessores tentavam fazer sinais discretos dizendo para ele
que não era uma boa idéia.
Gyatso bebeu três goles do copo d’ água e olhou por alguns
segundos para o criado. Então jogou o copo em sua cara, espatifando-o, e
arrancou a bandeja das mãos do criado, usando-a para bater em sua cabeça.
Vários gritos de protesto se elevaram na sala.
-Calados, vadias!- disse Gyatso, e os técnicos se
calaram.-É o seguinte: eu já agüentei aqueles manifestantes por tempo
demais.-Apontou para um técnico que ainda continuava digitando.-Você! - O homem
virou-se para ele, temeroso das conseqüências.-Precisamos evitar baixas nossas
à todo custo. Preciso que chame a 12a Companhia de Artilharia do Coronel
Baatarsaikh. Ela deve se posicionar no Promontório Sereno, que tem uma vista de
toda a Praça, e, à minhas ordens... Atirar.
O técnico olhou para o telefone do seu lado.
-Vamos, ligue- disse Gyatso.
O técnico relutantemente tirou o telefone do gancho e
discou o número do Coronel Baatarsaikh, sabendo que estava condenando milhares
à morte.
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