domingo, 6 de julho de 2014

120 horas em Lhassa - Parte XVI

24 horas, 01 minutos

Um dia exatamente após o início dos protestos, uma observação rápida estimaria a quantidade de pessoas na Praça Central em muita, muita gente. Uma observação um pouco mais demorada e apoiada por dados sobre quem atravessou em que momento as ruas que levam à Praça elevaria esse número para 274 851 pessoas. As pessoas que haviam ido para a Praça assistir o suposto discurso do Dalai Lama descobriram os manifestantes que ainda lá estavam e foram engrossar o coro que cantava: "Morte ao Dalai Lama! Viva a Liberdade!"
Era esse o canto que se ouvia distintamente de dentro da sala da Harmonia Celestial, onde mais uma vez o Dalai Lama e seus ministros se reuniam.
-Bom, bom, bom. Senhores, se vocês tem todos um par de ouvidos que funciona- o que infelizmente, não sei se aplica-se á todos- já devem saber do que se tratará essa reunião. Em primeiro lugar, esse suposto golpe de estado que está sendo tramado por uma...
-Um grupo de porcos, é o que são!- interrompeu Lama Gangchen.-Aliás, vão todos acabar como porcos, em sua próxima vida!
-Não me interrompa, Gangchen. Como Buddha já disse, seus direitos terminam onde começam os dos outros, e- adição minha- é meu direito dizer para você calar a boca.
Ninguém se deixou levar por aquela citação; o Dalai Lama tinha uma prática curiosa de criar citações inexistentes de Buddha, muitas vezes roubadas da sabedoria popular e outros famosos. Muitos se perguntavam quando ele diria que foi de Buddha a frase "a religião é o ópio do povo".
Isso na verdade já havia acontecido, no Réveillon de 1980, um evento que o Ulukorbak teve dificuldade em suprimir da história.
-Bom. Agora, Gyatso, você que é teoricamente especialista em questões militares, diga-me: Se, na verdade, eles possuem cerca de 20 mil soldados na Praça... é o número certo, Coronel?
Luvsanshara tomou um gole de seu chá quente, e, esfregando os olhos, disse:
-Bom senhor, ainda não recebi nenhuma informação nesse ponto. Todos os equipamentos do Ulukorbak parecem ter sido desligados.
-Como?
-Sim, Vossa Santidade. Parece ter ocorrido um blecaute na cidade.
Rinpoche não podia mais esperar. Estava derretendo de vontade de tomar responsabilidade por aquele feito.
-Senhor... Dos males, o menor- disse, com ares grandiloqüentes. Eu liguei- ou melhor, desliguei- a Tomada Universal.
-O que?!-Exclamou o Dalai Lama.
-Sim. Fiz isso para impedir que a mídia espalhasse as notícias da rebelião.
-É sério. Se alguém mais está tomando decisões SEM ME CONSULTAR, que fale agora ou cale-se para sempre- ironizou o Dalai Lama.
-Voltando às tropas- disse Luvsanshara, fazendo um sinal para que Rinpoche se sentasse, o que este fez, decepcionado por não conseguir a atenção que esperava.-Eu tenho um agente muito competente, especialista em recolher dados, e que poderá determinar quantas pessoas e especialmente quantos soldados há na Praça. Porém, devo dizer que não sei se ele veio trabalhar hoje. Na verdade, é provável que todo mundo na central do Ulukorbak já tenha voltado pra casa, porque não há nada pra fazer lá, simplesmente porque ALGUÉM resolveu acabar com a energia elétrica de todo o país.
-...Todo o país?
-É. Não lê os relatórios? Entre 1999 e 2000, a Tomada Universal foi conectada à uma rede de Emissores de pulso espalhados por toda Bukkara. Era o que nos permitiria desligar áreas do país separadamente.
O rosto de Rinpoche ficou branco.
-Ehm... Vossa Santidade, eu... eu não sabia...
-Rinpoche, menos choro e mais ação. Mande alguém para desligar o EMP.
-Senhor... não tenho como contactar o Ministério de Energia e Infraestrutura.
-Ah é? Então vá você! Mas eu quero esse país funcionando daqui à no máximo uma hora! Saia já agora!
Rinpoche saiu da sala, acovardado e de cabeça baixa, arrastando os pés e ainda assim de algum jeito andando rápido.
-Quanto à você, Gyatso. Tem meu total consentimento para lançar a carga de artilharia. Quanto a você, Tempa...
Tempa Jamyang até então estava distante da reunião, sonolento e recostado em sua almofada.
-Sim, Vossa Santidade.
-Faça um discurso em rede nacional explicando o motivo do blecaute elétrico súbito.
-Uma manifestação de luto pela morte da Imperatriz Bórvura, por exemplo?
-...Ela morreu? Grande Buddha.


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