domingo, 6 de julho de 2014

120 horas em Lhassa - Parte XX

24 horas, 42 minutos

Zheng Gyatso e Chimid se apertaram as mãos e se sentaram à mesa. Havia uma certa afobação e artificialidade naqueles gestos- ambos sabiam que iriam se desentender em breve.
-E então General. Como está a sua pequena República Popular da Praça Central?
-Uma beleza. Não vê? Temos uma das populações que mais cresce no mundo e um mercado imobiliário que não pára de crescer- disse Chimid, apontando para as tendas.
Os dois deram uma boa risada, como amigos de infância.
-Certo, Chimid. Diga-me então. O que esse povo deseja tanto?
O rosto de Chimid tornou-se plácido e ele tomou um gole d’água.
-Não sei bem o que o povo quer. Isso realmente importa?
-Como é?
-O povo não terá a parte de comando nesse golpe. Ele será dirigido pelos militares, e usaremos o povo como bem entendermos.
-Isso... é nojento. Você é um militar. Deve proteger o povo.
-Eu devo? O povo não quer ser protegido. O povo quer que eu derrube os muros desse palácio e exponha seu luxo decadente, suas contradições inerentes, as palavras vazias que dele saíram e que sempre estiveram podres. Eles querem que eu abra o estômago da besta e mostre-o para eles em toda a sua feiúra. Em suma, eles querem a sua cabeça, Gyatso.
Gyatso congelou e seu rosto ficou branco.
-Você... não passa de um mentiroso safado! Esse golpe é uma armação! Assim que a energia voltar, vou revelar tudo!
Chimid riu.
-Revelar o que? Depois de 70 anos de mentiras, alguém vai acreditar no Dalai Lama? Isso vai ser apenas mais um de seus absurdos contos.
Gyatso não disse nada. Chimid então continuou.
-Passemos às condições. Meus batedores confirmaram a presença de sua artilharia no Promontório. Me falaram de você e sei que você só dispara se o inimigo estiver desarmado. Como pode ver, não é o caso.
Gyatso assentiu.
-Porém, tenho um acordo para você: retire a artilharia, e eu deixarei minhas armas no chão. É a única condição que tenho a propor.
Chimid chamou dois soldados que rapidamente retiraram a mesa e deixaram Gyatso sozinho, em sua cadeira, olhando para o vazio.


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