domingo, 6 de julho de 2014

120 horas em Lhassa - Parte VI

14 horas, 02 minutos

Zacharia Grossman chegava todo dia no trabalho às oito em ponto, e, quando o dia estava carregado, geralmente assinava uma dúzia de papéis e então nada.
Tinha, quase sem dúvida, um dos trabalhos mais inúteis da Terra: o de Ministro da Cultura de Bukkara.
Escorregara até essa posição em 2001 com ajuda do nome do tio, o lendário banqueiro Lev Grossman, de cuja sombra tentava sair, mesmo tendo que recorrer á ela de vez em quando. Zacharia sonhara durante muito tempo com uma posição no governo, algo que o desse notoriedade e solidificasse o nome de sua família dentro do high-society bukkara. Não funcionou. Na verdade, Zacharia ficou mais distante do que nunca do prestígio que almejava.
Pois, embora tivesse estudado durante muitos anos e passado por inúmeros concursos -destacando-se sempre por sua mediocridade- Grossman esquecera a verdade fundamental sobre o Ministério da Cultura: ele não fora criado para ser importante.
Na verdade, se algo indicava a posição de subordinação do Ministério, era o fato de que ele ficava no interior do prédio do Ulukorbak. Fora criado em 1998 como uma instituição de fachada para que o Ulukorbak pudesse exercer seu papel de intermediário entre a mídia e a população.
A gigantesca "Ala da cultura" no prédio do Ulukorbak estava repleta de andares e mais andares eles próprios repletos de salas e mais salas transbordando de agentes em longas mesas cuja missão era bastante simples: dar ou não o aval para que uma matéria fosse feita. Se esses agentes estavam lá para preencher essa função, Grossman estava lá apenas para representá-la; fazia apenas acenar a papelada que os agentes subalternos lhe enviavam.
Na prática, era Ministro apenas de sua própria sala, que, segundo se dizia, era o único local em Bukkara que NÃO era vigiado pelo Ulukorbak- junto com a sala do Coronel Luvsanshara e algumas residências do Palácio Potala. Era um privilégio que Grossman pretendia usar em sua extensão máxima.

-Xia, diga-me. o que ele disse até agora?
-Muito pouco, chefe. Disse que tem um problema sério na Praça Central e que seria tolo deixar qualquer repórter ir até lá. Mas... também, não disse nada específico.
-Interessante. Venha para o meu escritório daqui hà 5 minutos.
Pobre Xia, pensou. Era a única pessoa de todo o prédio que o respeitava, talvez por ainda ser um estagiário e não ter muita noção da hierarquia vigente. Quando percebesse como as coisas funcionavam, muito provavelmente começaria à tratá-lo como capacho também. Mas, à partir de amanhã, isso não faria diferença, pensou.
Deu uma olhada panorâmica por sua sala- um típico escritório empresarial da década de 70. Carpete amarronzado no chão, móveis de madeira/fórmica/sabe-se-lá-o-que de formas despojadas e pseudo-futurísticas, um velho computador de tela preta e letras verdes. Sem dúvida, uma velha sala da época em que o prédio fora construído e que não havia sido renovada desde então. Como quase tudo que parecia ter dedo da oligarquia cleptocrática vigente em Bukkara, parecia ter saído de uma época bem distante, onde as pessoas tinham um gosto pelo luxo cafona. Sentou-se então à sua mesa e viu a manchete de um jornal bórvura que chegara hoje de manhã. "A Nação Chora: Morre a Imperatriz Eliana Arlon". Era a história perfeita para o que planejava.
Alguém bateu à porta.
-Pois não?- perguntou Zacharia.
-É o Xia- disse a voz do outro lado da porta.
Zacharia olhou pelo pequeno olho espião e de fato reconheceu Xia do outro lado. Destrancou a porta para ele.
Xia entrou na sala carregando um grande e espalhafatoso tripé.
-Certo. Vamos começar a gravação?
-Vamos.
Zacharia sentou-se do outro lado da mesa, de frente para a câmera. Preparou um sorriso e, segurando o papel com seu discurso, deu o sinal para Xia.
-3...2...1...
Zacharia limpou a garganta e deu seu anúncio:
Cidadãos de Bukkara. Meu povo...  Meus irmãos. Eu sou o Ministro da Cultura Zacharia Levy Grossman, e tenho uma mensagem especial para vocês. Todos aqueles que moram à uma distância da Praça Central à que se dê para chegar em uma hora, devem ir para lá para ouvir um discurso especial de Vossa Santidade, o Dalai Lama. Aviso especial para os repórteres de todos os canais: estejam lá dentro de uma hora para registrar o discurso do Dalai Lama; quem não o fizer poderá sofrer punições.
Zacharia deu o sinal para cortar.
-E aí? O que achou?- perguntou.
-Ótimo. Curto, mas conciso. Mas o que houve? Porque o Dalai Lama fará um discurso?
Zacharia riu. Pobrezinho, esse cara realmente não entende de nada. Mostrou, balançando com a mão, o jornal Borvurano.
- Que isso quer dizer? Não leio em borvurano.
-A imperatriz Eliana Arlon morreu.
-É sério? Grande Buddha.- Xia ficou cabisbaixo.-Acho que vou indo então.

Quando Xia saiu pela porta, Zach mais uma vez sorriu. Pobre ingênuo, pensou de novo. Havia servido bem à seus desígnios. Com alguma sorte, essa ajudinha que ele dera ao movimento o permitiria ganhar massa crítica. E daí, finalmente teria mostrado à Luvsanshara quem tinha o poder, quem deveria ser temido e respeitado. O nome de Zacharia Levy Grossman finalmente seria associado ao de um titã, uma força capaz de mudar a história. Talvez acabasse morto; aliás eram grandes as chances de acabar morto. Mas teria feito seu nome. Um nome escrito sobre uma lápide ainda era um nome gravado em pedra, para a posteridade. 

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