14 horas, 02 minutos
Zacharia Grossman chegava todo dia no trabalho às oito em
ponto, e, quando o dia estava carregado, geralmente assinava uma dúzia de
papéis e então nada.
Tinha, quase sem dúvida, um dos trabalhos mais inúteis da
Terra: o de Ministro da Cultura de Bukkara.
Escorregara até essa posição em 2001 com ajuda do nome do
tio, o lendário banqueiro Lev Grossman, de cuja sombra tentava sair, mesmo
tendo que recorrer á ela de vez em quando. Zacharia sonhara durante muito tempo
com uma posição no governo, algo que o desse notoriedade e solidificasse o nome
de sua família dentro do high-society bukkara. Não funcionou. Na verdade,
Zacharia ficou mais distante do que nunca do prestígio que almejava.
Pois, embora tivesse estudado durante muitos anos e
passado por inúmeros concursos -destacando-se sempre por sua mediocridade-
Grossman esquecera a verdade fundamental sobre o Ministério da Cultura: ele não
fora criado para ser importante.
Na verdade, se algo indicava a posição de subordinação do
Ministério, era o fato de que ele ficava no interior do prédio do Ulukorbak.
Fora criado em 1998 como uma instituição de fachada para que o Ulukorbak
pudesse exercer seu papel de intermediário entre a mídia e a população.
A gigantesca "Ala da cultura" no prédio do
Ulukorbak estava repleta de andares e mais andares eles próprios repletos de
salas e mais salas transbordando de agentes em longas mesas cuja missão era
bastante simples: dar ou não o aval para que uma matéria fosse feita. Se esses
agentes estavam lá para preencher essa função, Grossman estava lá apenas para
representá-la; fazia apenas acenar a papelada que os agentes subalternos lhe
enviavam.
Na prática, era Ministro apenas de sua própria sala, que,
segundo se dizia, era o único local em Bukkara que NÃO era vigiado pelo
Ulukorbak- junto com a sala do Coronel Luvsanshara e algumas residências do Palácio
Potala. Era um privilégio que Grossman pretendia usar em sua extensão máxima.
-Xia, diga-me. o que ele disse até agora?
-Muito pouco, chefe. Disse que tem um problema sério na
Praça Central e que seria tolo deixar qualquer repórter ir até lá. Mas...
também, não disse nada específico.
-Interessante. Venha para o meu escritório daqui hà 5
minutos.
Pobre Xia, pensou. Era a única pessoa de todo o prédio que
o respeitava, talvez por ainda ser um estagiário e não ter muita noção da
hierarquia vigente. Quando percebesse como as coisas funcionavam, muito
provavelmente começaria à tratá-lo como capacho também. Mas, à partir de
amanhã, isso não faria diferença, pensou.
Deu uma olhada panorâmica por sua sala- um típico
escritório empresarial da década de 70. Carpete amarronzado no chão, móveis de
madeira/fórmica/sabe-se-lá-o-que de formas despojadas e pseudo-futurísticas, um
velho computador de tela preta e letras verdes. Sem dúvida, uma velha sala da
época em que o prédio fora construído e que não havia sido renovada desde
então. Como quase tudo que parecia ter dedo da oligarquia cleptocrática vigente
em Bukkara, parecia ter saído de uma época bem distante, onde as pessoas tinham
um gosto pelo luxo cafona. Sentou-se então à sua mesa e viu a manchete de um
jornal bórvura que chegara hoje de manhã. "A Nação Chora: Morre a
Imperatriz Eliana Arlon". Era a história perfeita para o que planejava.
Alguém bateu à porta.
-Pois não?- perguntou Zacharia.
-É o Xia- disse a voz do outro lado da porta.
Zacharia olhou pelo pequeno olho espião e de fato
reconheceu Xia do outro lado. Destrancou a porta para ele.
Xia entrou na sala carregando um grande e espalhafatoso
tripé.
-Certo. Vamos começar a gravação?
-Vamos.
Zacharia sentou-se do outro lado da mesa, de frente para a
câmera. Preparou um sorriso e, segurando o papel com seu discurso, deu o sinal
para Xia.
-3...2...1...
Zacharia limpou a garganta e deu seu anúncio:
Cidadãos de Bukkara. Meu povo... Meus irmãos. Eu sou o Ministro da Cultura
Zacharia Levy Grossman, e tenho uma mensagem especial para vocês. Todos aqueles
que moram à uma distância da Praça Central à que se dê para chegar em uma hora,
devem ir para lá para ouvir um discurso especial de Vossa Santidade, o Dalai
Lama. Aviso especial para os repórteres de todos os canais: estejam lá dentro
de uma hora para registrar o discurso do Dalai Lama; quem não o fizer poderá
sofrer punições.
Zacharia deu o sinal para cortar.
-E aí? O que achou?- perguntou.
-Ótimo. Curto, mas conciso. Mas o que houve? Porque o
Dalai Lama fará um discurso?
Zacharia riu. Pobrezinho, esse cara realmente não entende
de nada. Mostrou, balançando com a mão, o jornal Borvurano.
- Que isso quer dizer? Não leio em borvurano.
-A imperatriz Eliana Arlon morreu.
-É sério? Grande Buddha.- Xia ficou cabisbaixo.-Acho que
vou indo então.
Quando Xia saiu pela porta, Zach mais uma vez sorriu.
Pobre ingênuo, pensou de novo. Havia servido bem à seus desígnios. Com alguma
sorte, essa ajudinha que ele dera ao movimento o permitiria ganhar massa
crítica. E daí, finalmente teria mostrado à Luvsanshara quem tinha o poder,
quem deveria ser temido e respeitado. O nome de Zacharia Levy Grossman
finalmente seria associado ao de um titã, uma força capaz de mudar a história.
Talvez acabasse morto; aliás eram grandes as chances de acabar morto. Mas teria
feito seu nome. Um nome escrito sobre uma lápide ainda era um nome gravado em
pedra, para a posteridade.
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