segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Poesia, yay!

Aqui vai uns versos simples, que não fiz de coração, e sim em um momento de tédio absoluto, mais conhecido mundo afora pelo nome "aula de filosofia."

Acarajé em Caracas

Veni, Vidi, Vice
Caminha, onde o Pero Vaz?
Assim Carminha a honestidade
Oneguin negava o gênio,
e o negão negava a realidade.

Neguei? Negue-me more
Gimme o Guinle ou gimme death
Nega Fulô, furou o tabefe
Negou-se o gay a guiar o menor

Soube tudo? Soube sim
o tudo foi e o nada ficou
sobe mais, sobe pra mim
soube o sábio e o Haoussa ensebou.

Quiça? Será o sabiá
mais sábio que esse bar?
Será o sabará de Saquarema
quaresma mais rica que a banda de Ipanema?

Soco, só. Sarau na areia
Saco será se o soul levar
Sublevando a sereia, dá ré e revolta
A rota à volta, e volta o mar.

Filisteus! Teo, teu Deus,
Verá que os filhos teus
não fogem à puta.
Sou Deus, sou Teo, sou Teo-ria,
Ria, dependente, preso em tua gruta.

A massa é calórica,
O papa é Popper
E o Karl? É caro, o calo
e é ralo o texto?
É o segundo, quarto, quinto ou sexto?

Franco Alencastro, apesar das críticas, vai continuar com esse cartão de apresentação à lá Agamenon.

 

domingo, 11 de novembro de 2012

Sobre os Índios pobres.

Eu vou começar esse texto, descarregando já a afirmação mais polêmica que ele contém: Não existe pobreza.

...

Tenha certeza de que digeriu isso por um segundo. Essa foi a pequena entrada, e é muito importante para criar o gosto para o prato principal, esse é o resto do texto. E não, não é apenas uma cópia da manobra espúria que eu usei no texto Democratização do Abraço. Lembra daquele texto? É, exato, aquele em que eu NÃO falei da Democratização do Abraço.
Já estou antevendo as críticas, e vou escrever elas aqui, como faço tradicionalmente: 
Não existe pobreza? Ah, claro, é fácil pra você que vive no bairro mais rico do Rio de Janeiro e escreve com comodidade num computador chique que seu papai comprou com o dinheiro que ele tem em paraísos fiscais, sem passar fome ou frio. Queria ver você, uh, andar 200 metros e ir viver na Cruzada São Sebastião! Aí você ia ver o que é pobreza!
Bom, sobre essas críticas, tenho dois comentários à fazer: Primeiro, bom, de fato, eu nunca estive em uma favela. Mas eu vivo no Rio de Janeiro, po! Você não pode andar 100 metros sem ver pobreza, mesmo nas partes mais ricas da cidade, e é lá onde os moradores de rua realmente fazem sentir sua presença, por destoar tanto do ambiente que os cerca. Segundo, se você realmente sabe que eu vivo à 200 metros da Cruzada São Sebastião, pare de me stalkear, seu estranho, porque eu nunca disse isso aqui.¹
Bom, agora que passamos por essa etapa, vou explicar melhor a minha afirmação. Mais especificamente, vou explicá-la com uma pergunta: Os índios são pobres?
Pergunta difícil de responder, não? Provavelmente nunca pensou nisso, até porque não é uma coisa que normalmente nos perguntemos, um pouco como "Será que um cachorro fica bem de tutu?", uma pergunta que só faz sentido se você vive perto de uma abundância de tutus e de cachorros.
Mas vamos ilustrá-la com uma comparação. Vamos pegar um índio da floresta amazônica, isolado, daqueles que atiraram flecha no helicóptero que os filmava, e compará-los com alguns moradores da Favela da Maré, e com, sei lá, Christiane Torloni.

 Hoje é dia de comparação, bebê!
À partir daí, já dá pra responder a pergunta, pelo menos em termos relativos. Christiane Torloni é mais rica que os moradores da comunidade? Sim, possivelmente mais do que centenas deles juntos. Christiane Torloni é mais rica que os Índios? Provavelmente não.
Mas como assim? Se pensarmos bem, os índios estão em situação pior do que os favelados- os favelados até conseguem ter roupas, os índios nem isso. Os favelados tem acesso à comodidades modernas como televisores, rádios, e até os malditos celulares que eles fazem questão de usar para ouvir música no ônibus. Em comparação, os índios não podem nem ver a tinta secar, porque eles não tem tinta.²
Mas essa é a questão: ponha os índios em um cenário urbano, e eles viram os mais miseráveis dos miseráveis. Andado por aí pelados, sem trabalho, vivendo de caçar esquilos no Jardim Botânico. Ok, talvez não, mas seria hilário.
O caso dos índios é especial porque é um grupo que se desenvolveu praticamente isolado de todos os outros, e assim, eles estão o mais longe o possível de elementos de comparação. Enquanto isso, os moradores da favela da Maré provavelmente vivem bem perto de Christiane Torloni(ou sei lá, não sei onde ela mora, ao contrário de você, que sabe até onde eu moro.), o que faz com que comparem à si mesmos com alguém muito mais rico. Assim, é minha tese de que a pobreza é algo quase totalmente relativo.
É claro que essa lógica tem limites. Ao contrário da posse de smartphones, a fome, o frio e as doenças não podem ser relativizados. Só é possível falar de pobreza relativa à partir de um certo nível- na verdade, os estudos pioneiros sobre o efeito da renda na felicidade parecem demonstrar exatamente isso, não só confirmando o velho adágio de que o dinheiro não traz felicidade, mas que o bem-estar humano se estabiliza após a renda chegar á um certo nível, o que mostra que existe um nível de pobreza absoluta. 
Assim, se você também estava fazendo a pergunta "Ah é, mas e que tal comparar os favelados com os africanos, que passam fone, sofrem de AIDS e vivem em zonas de guerra", a resposta é que, obviamente, os africanos vivem pior que os brasileiros pobres, mas isso não compromete o resto do raciocínio. O que importa, no fim das contas, é o que sempre suspeitamos- saúde, estabilidade, paz, três refeições ao dia, e, especialmente, igualdade. A grande pergunta é- nesses tempos em que se fala cada vez mais em privilegiar a produtividade, a competitividade, e as altas taxas de crescimento, não seria mais fácil pegar o que já temos e garantir mais para todos?

Franco Alencastro é mais um que achou que a Christiane Torloni estava bem gata naquela foto.
 
¹Bom, acabei de dizer.
²Eles podem, contudo, ver a grama crescer.
 



quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Novela, Altinha e Revolução no Calçadão

     A batalha continua. Se bem que, quando ela começou? Um dia vai terminar? Sendo assim, a batalha é uma constante. E, sendo uma batalha, cada pequeno instante conta, cada momento é uma ação que constitui um elemento da vitória final. 
Parafraseio Mao Tsé Tung nesse início de texto(só que não) para conter algo que aconteceu comigo no Domingo. Não Domingo passado, ou no próximo. Nem nos anteriores. Na verdade, foi em um Domingo antigo, parecido com muitos outros. O que o torna diferente é o que faz com que eu esteja escrevendo sobre ele no momento.
Andando na Avenida Vieira Souto, à beira do mar, percebi que havia algo de diferente no ar. Uma certa vivacidade, como se o mundo estivesse girando mais rápido, e o eixo ficasse precisamente ali. Ah, a quantidade boçal de policiais também me ajudou à perceber que havia algo errado.
De fato, a linha de prédios marmoreados reunidos em frente ao Oceano Atlântico estava protegida por umas três dúzias de policiais, conversando jocosamente entre si, ocasionalmente fazendo cara de mau.
No outro canto, uma quantidade não menos considerável de repórteres, com suas câmeras grandes e espalhafatosas, emblemas de canais públicos e infames coletes pretos.
No meio, nada. Espera, nada? É, nada. Pelo menos, por enquanto.
O vácuo foi temporariamente preenchido pelo que pareciam ser estudantes secundaristas, aproveitando o Domingo. Me refiro não à variante praiana e hippie-chic, menos ainda à variante de seres da noite idólatras de Louis Garrel, e sim de um subgrupo frequentemente desprezado, o dos manos. Tentarei ser o mais gentil possível na caracterização desse grupo, mas alguns clichês, como a idolatria à uma planta supostamente descoberta hà 5 mil anos, são inescapáveis.
Especificamente, vários deles usavam bonés do Cone Crew Diretoria. Swag.
Me aproximando mais, vi desenhadas na mochila de uma garota, com marcas de caneta que provavelmente não foi feita para escrever em tecido, o nome de várias bandas gringas conhecidas, como System of a Down, Alice in Chains, Nirvana, e todos os simpáticos e saltitantes suicidas de Seattle. O fraco que tenho por moçoilas com um gosto musical apurado(leia-se parecido com o meu) me levou à tentar puxar papo.
-Caraca, vocês sabem o que tá acontecendo aqui?!?- ela perguntou à seus outros camaradas caricaturescos, ao que eu, subitamente entrando na conversa, respondi "Claro, estão gravando o último episódio de Avenida Brasil".
Parece um jeito tosco de revelar um detalhe importante dessa pequena trama, mas sejamos francos, à essa altura você só quer que eu desembuche. E era isso mesmo. Mas eu errei em minha suposição de que aqueles repórteres estavam lá para cobrir as últimas diabruras da Carminha. Na verdade, tudo não se tratava de uma bizarra coincidência.
Lá no fundo, entre os repórteres, estavam duas eminências pardas. Usavam um rosto pálido, com bigode negro sólido, bochechas rosadas e um sorriso congelado de porcelana. Os dois eram exatamente iguais. Eram anônimos, e eram Anonymous, aquela figura deveras onipresente.
Depois de me introduzir, à maneira de um dos velhos filmes sobre agentes duplos, entre os fãs de Cone Crew e a mini-Courtney Love perdida em um paraíso tropical, decidi ver o que os meus irmãos de combate tinhamá dizer sobre tudo aquilo. Fui seguido por Courtney e por sua amiga, Proserpina¹, que trajava com orgulho um boné do já mencionado grupo de rap de-um-sucesso-só e brandia para todos os lados perguntas sobre a tal da erva, tudo isso enquanto se agarrava em meu braço como se o mundo fosse acabar, tendo me conhecido à menos de cinco minutos.
Os dois outsiders de fato estavam cada vez menos ameaçadores e cada vez mais incomodados pelas perguntas de minhas novas e improváveis amizades(é incrível como eles fazem amigos rápido, na verdade). Tentavam manter uma aura de mistério e respondiam à perguntas com respostas vagas. Eis aqui um diálogo típico daquele momento:
Proserpina: Po, mas quem é você?
Anonymous: Eu sou todos.
Eu: Não cara, você é os 99%.
Anonymous: Isso também.
Proserpina: Tira a máscara para eu ver seu rosto! (Será que ele é bonito?)
Anonymous: Po, não.
Proserpina: Mas então me diz quem é você!
Anonymous: Eu sou todos.

Ad infinitum. 

 Proserpina, de fato, agia como uma criança de 4 anos que havia usado um supositório cheio de cafeína, com uma boa dose de DDA no meio. Perguntava aos pobres Anonymous se eles pretendiam legalizar a maconha nos territórios que conquistassem, e, na verdade, confundiu-os com o personagem V, do filme... bom, à essa altura vocês já sabem qual.²
Não demorou muito para arrancarmos deles o motivo de sua presença. Estavam lá para protestar contra a violência da polícia contra os banhistas- ou à favor da violência dos banhistas contra a polícia, dependendo da visão que você adotar- no que ficou conhecido como A Batalha de Ipanema, pelo menos entre o(bastante reduzido) círculo em que essa informação circulou. E como iriam protestar? Simples, realizando A maior altinha do mundo. 
Mas, pera, como isso iria funcionar? Como mais de 500 pessoas passariam a bola entre si? Passariam para os vizinhos? As pessoas nas outras pontas ficariam esperando numa fila? Haveria tíquetes? Racionamento de embaixadinhas? A resposta à essas perguntas permanecerá um mistério, pois nunca pude perguntar à ninguém sobre a realização da altinha, e porque, na verdade, pelo menos em teoria, ela estava acontecendo naquele exato momento.
A extensão da importância capital daquele momento e a sinificância da convergência de espaço e tempo demoraram para me atingir, mas chegaram como um chute de altinha mal mandado. Do tipo que te acerta na cabeça. Nossa, que metáfora rasteira. Mais rasteira que carrinho em futebol.
A Avenida mais rica do Rio de Janeiro, onde estava sendo gravada o capítulo final da novela que parou o país, acontecendo ao mesmo tempo que um protesto fomentado pela internet e apoiado pelo grupo que estava parando o mundo, em uma seção da praia frequentada por artistas e, aparentemente, partículas de Swag ambulante. Verdadeiramente, um microcosmo do Brasil, e, porque não, do Ocidente. Me senti no centro dos acontecimentos, no centro do mundo, dessa bola de futebol que roda na imensidão do espaço, no centro desse Globo e de sua intrincada rede de informação que pareceu simplificar-se e achatar-se por um momento.
Só teve um problema: a multidão não apareceu. O povo sumiu. E agora, José?
De fato, no protesto apareceram apenas os dois Anonymous, vestidos à caráter com seus casacos anarquistas de grife e máscaras elaboradas. A tristeza dessa realidade logo me atingiu, e pouparei vocês da metáfora da bola dessa vez.
Os repórteres não estavam lá por Carminha.³ Estavam lá pelo protesto. Os policiais não estavam lá para proteger a Carminha do assédio dos repórteres. Estavam lá para conter o protesto. E o que a chama mobilizadora da internet, a fúria de mil manifestantes virtuais sem rosto, prontos para explodir o edifício da poderosa mídia e tudo que ela sustenta, o que essa galera do mal entregou à polícia e à mídia que dela tanto esperavam? 
Dois manifestantes. 
Parece paródia, mas é a triste realidade. Nesses tempos de ultra exposição dos movimentos de protesto na mídia tradicional, temos 10 repórteres, 30 policiais e 2 manifestantes. Nunca o desequilíbrio de forças na atual luta contra "o sistema" e a sua própria incorporação, em tempo recorde, pelo sistema, foi tão bem representada. Mais uma vez, a Avenida Vieira Souto se tornara um microcosmo do Ocidente, porém não da maneira que eu desejava.
O "protesto" não demorou à acabar. Os policiais foram embora logo, percebendo que talvez tivessem se precavido demais. Courtney, apaixonada pelo Anonymous(o que uma máscara não faz) imitava sua amiga e fazia perguntas, enquanto Proserpina ganhou nova vida ao lado dos repórteres, que tiraram fotos suas andando de skate, e eu discutia os rumos do movimento com o outro Anonymous. Rapidamente me sentindo sem propósito, caminhei para o horizonte sem me despedir de nenhum de meus novos conhecidos, como frequentemente faço em situações como essa, e, voltando para casa, observei o sol enquanto ele se punha sobre aquela pequena e irrelevante parte do mundo.

Franco Alencastro faz parte do 1% que ainda acredita nos 99%.

¹not an actual name.
³ ainda estivessem lá pela Nina; e é só isso que direi sobre o assunto. Fica difícil falar sobre o quão a Débora Falabella me remete à um ideal de beleza clássico e ainda assim reformado para a contemporaneidade, sem parecer o McLovin.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O Guia Politicamente Incorreto dos Guias Politicamente Incorretos

O mercado editorial Brasileiro, no qual eu muitas vezes tentei entrar pela porta da frente(sem sucesso) vive hoje uma praga. Ela vem na forma de uma meia-dúzia de homens na casa dos 30 e tantos anos, brancos, estudados e de classe-média, que, por motivos diversos, acham que o mundo está sendo gentil demais com quem não é branco, homem, estudado e de classe-média. Estou falando da histriônica trupe de autores que publica os autoproclamados "Guias Politicamente Incorretos".
São vários: o Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, Guia Politicamente Incorreto da História da América Latina, o Guia Politicamente Incorreto da Filosofia... todos sucessos editoriais, e todos com grau variado de exatidão e uso de fontes.
Vou admitir, eu até que me empolguei com o lançamento do primeiro livro- o mega-sucesso "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil", em 2009. Como estudante do ensino-médio, vivia o auge do meu ódio contra as políticas redistributivas e de "correção de erros históricos", que definitivamente estavam aí para roubar a minha suada vaga na faculdade, para a qual eu trabalhara com afinco desde nascer. Tá, desde nascer não, mas a ideia é a mesma. O Guia, assim, surgiu como um sopro de ar fresco na hora certa, desmistificando aquilo que eu aprendera no colégio. O "Guia" era mais que um livro de história. Era irreverente, inteligente, fazia você pensar e era, à sua maneira, subversivo. 
Durou pouco. Não é preciso um especialista para ver que a proposta do Guia- a de derrubar o establishment esquerdista que domina a cultura e em particular a produção histórica, à partir de exemplos que refutem a sua versão da história- tem falhas profundas. Desde a primeira vez que eu li o livro, uma coisa me incomodou- e olha que naquela época, eu nem sabia do debate entre empiristas e racionalistas. O autor, o jornalista curitibano da Veja Leandro Narloch, tinha uma preferência por apresentar exemplos pesquisados à fundo, que derrubavam 'mitos históricos'(por exemplo, apresentando o caso de um ex-escravo que era dono de escravos, para acabar com o mito de que só brancos tinham escravos). O problema óbvio com isso é que alguns exemplos dificilmente configuram uma refutação de um fato muito maior, apoiado numa quantidade mil vezes maior de exemplos.
Mas isso foi apenas o primeiro de meus problemas com o Guia. O problema principal era que, longe de tentar contar uma versão diferente da propagada pela esquerda acadêmica, que primasse pelo rigor científico, Narloch se deixou infectar pelas suas próprias influências ideológicas e escreveu pouco mais que um panfleto. Para além do humor e da óbvia característica anedótica do livro, ele tinha um certo ranço direitista, mas que eu deixei passar, em meu maravilhamento. 
Já na sequência, o "América Latina", Narloch virou uma paródia de si mesmo, adotando as mais ululantes teses da direita paranóica, como a de que Salvador Allende ia dar um golpe para se perpetuar no poder, e foi impedido pelo salvador da pátria e amigo das crianças, Augusto Pinochet. Se antes, ele tinha como objetivo desmistificar a história, agora estava criando uma nova mística, baseada em teorias de conspiração tiradas da internet.
Digam o que quiserem sobre a tal parcialidade da análise esquerdista da história, mas uma coisa é óbvia: um livro como As Veias Abertas da América Latina tem como propósito desmistificar uma história ainda mais tradicional, sim, aquela contada nos decrépitos livros didaticos dos nossos avós, com uma ortografia engraçada. Nesses livros, as crianças aprendiam tudo sobre os conquistadores, e nada sobre os conquistados. Ouviam a versão dos europeus, e nada sabiam dos índios, ou porque, afinal de contas, sobravam tão poucos para contar a história. O papel da esquerda na história sempre foi o de trazer de volta ao centro um debate que já nasceu parcial- e torná-lo, assim, mais próximo da realidade da população.
Já o livro de Narloch serve que propósito? Tá, talvez o de desconstruir, mas desconstruir a estrutura sem substituí-la por nada, ou só por piadinhas e anedotas, é meio tenso.
Entrar na faculdade, eu pensava, me botaria em contato com a tal elite acadêmica, esquerdista e arrogante que Narloch descreve. Ao invés disso, o contrário ocorreu. Entrar na PUC-Rio me pôs em contato com o maior centro de produção de conhecimento declaradamente conservador do Rio de Janeiro, quem sabe do Brasil. Claro, havia alguns esquerdistas, da variedade que fuma maconha com os pais hippies e frequenta os shows da Fundição Progresso. Mas é só. A maioria, incluindo uma parte significativa dos jovens, era composta por neoliberais ranzinzas. Então, onde está a tal dominação esquerdista que Narloch descreve? Se ela existir, me digam onde encontrá-la, porque deve ser divertido morar nela. Tenho certeza que a galera lá faz bastante sexo grupal.
A tal da onipresença do politicamente correto é talvez a maior peça já pregada na classe-média brasileira. Na verdade, esquece isso. Ela é cúmplice disso. Criou um fantasma de ameaça esquerdista ao nosso modo de vida, apenas para justificar uma reação ainda mais violenta. A chave do conflito, no final, é a percepção da realidade, e não a realidade em si. Assim, tanto os hippies que tomavam LSD e a sisuda classe média dos anos 60 tinham uma visão igualmente deturpada da realidade. Talvez a droga dos segundos seja a tinta de jornais alarmistas, que penetra nas veias pelas unhas.
Mas estou tergiversando.
Enfim, enquanto a minha convivência na faculdade me permitia chegar à essa compreensão maior, a história dos Guias Politicamente Incorretos seguia o seu curso. Não, pera, curso não, porque curso é teleológico, e teleologia é marxista. Não pode. 
Enfim, é quase injusto comparar o primeiro livro de Narloch à corja de imitadores que surgiu depois, provando mais uma vez que a popularização leva à banalização. Narloch inspirou várias cópias malfeitas de sua obra, quase todas escritas por pensadores conservadores, dos quais o pior é com certeza o Guia Politicamente Incorreto da Filosofia, o livro mais escroto(e eu uso essa palavra mesmo) que eu já tive a desgraça de ler na minha vida. Enquanto Brasil, apesar de suas falhas evidentes, tinha um embasamento documental sólido, com páginas e mais páginas de fontes, Luiz Felipe Pondé, um "intelectual" de décima-quinta categoria, escreveu um livro de pensamentos mirrados e preconceituosos, como o de que as mulheres tem que se submeter aos homens, ou de que a busca pela igualdade enfraquece o homem, o que me lembra muito as ideias de alguém cujo nome não citarei, para não quebrar a Lei de Godwin. 
Finalmente, parece que o próprio Narloch, que eu antes respeitava como historiador, vem descendo mais e mais em uma espiral de reacionarismos que fariam a Opus Dei dizer "calma aí, cara!". Eis aqui um trecho de um post de seu blog:
O terremoto e a calamidade do Haiti fizeram vários “especialistas” no país aparecerem de repente. Nas rádios e canais de notícia, eles dizem o seguinte: o Haiti, apesar de ter sido o primeiro país da América Central a passar por uma revolução e conquistar independência, sofreu embargos e ditaduras apoiadas pelos EUA, o que resultou na miséria que vemos na TV. É o velho esquema “pobre/indefeso”versus “rico/inescrupuloso” que eu critico no Guia. Não conheço bem a história do Haiti, mas desconfio do seguinte: o país deu errado porque a sua elite perdeu. Os homens que conduziriam a massa à civlização foram expulsos ou executados. A justificativa do embargo ou das ditaduras serve para abafar uma verdade dolorosa: o Haiti é o melhor exemplo de que revoluções dão errado. A revolta, a liberdade e a independência acabaram com o país. Se os haitianos continuassem tendo que obedecer as regras impostas por algum país europeu, viveriam muito melhor hoje em dia, talvez como a Republica Dominicana, com quem dividem a ilha de Hispaniola. Ímpetos revolucionários causam tanta tristeza e tantas cenas lamentáveis quanto os piores terremotos.
Aham, Narloch, então você não sabe nada sobre o Haiti, e resolve dar pitaco mesmo assim? Interessante. Fora isso, encontramos vários clichês interessantes, como a de que a elite é a vítima( Realidade chamando Narloch: é mentira. A elite era colonial, e iria embora de qualquer maneira caso a independência ocorresse. O país era quase integralmente formado por escravos), ou a afirmação, que fala por si só, de que o Haiti estaria melhor como colônia. Sim. Em pleno Século XXI, um intelectual respeitado, com relativo apelo popular, nascido em uma ex-colônia, defende o colonialismo. De fato, avançamos pouco desde o grito do Ipiranga, mas eu suspeito que seja por causa de pessoas como Leandro Narloch.

PS: Ah, e já está na hora de acabar com essa moda de capas imitando o Sergeant Pepper's Lonely Heart Club Band. Já está dando para ouvir o John Lennon se revirando no túmulo.

Franco Alencastro não tem o escritório na praia, mas tá sempre na área.