quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Novela, Altinha e Revolução no Calçadão

     A batalha continua. Se bem que, quando ela começou? Um dia vai terminar? Sendo assim, a batalha é uma constante. E, sendo uma batalha, cada pequeno instante conta, cada momento é uma ação que constitui um elemento da vitória final. 
Parafraseio Mao Tsé Tung nesse início de texto(só que não) para conter algo que aconteceu comigo no Domingo. Não Domingo passado, ou no próximo. Nem nos anteriores. Na verdade, foi em um Domingo antigo, parecido com muitos outros. O que o torna diferente é o que faz com que eu esteja escrevendo sobre ele no momento.
Andando na Avenida Vieira Souto, à beira do mar, percebi que havia algo de diferente no ar. Uma certa vivacidade, como se o mundo estivesse girando mais rápido, e o eixo ficasse precisamente ali. Ah, a quantidade boçal de policiais também me ajudou à perceber que havia algo errado.
De fato, a linha de prédios marmoreados reunidos em frente ao Oceano Atlântico estava protegida por umas três dúzias de policiais, conversando jocosamente entre si, ocasionalmente fazendo cara de mau.
No outro canto, uma quantidade não menos considerável de repórteres, com suas câmeras grandes e espalhafatosas, emblemas de canais públicos e infames coletes pretos.
No meio, nada. Espera, nada? É, nada. Pelo menos, por enquanto.
O vácuo foi temporariamente preenchido pelo que pareciam ser estudantes secundaristas, aproveitando o Domingo. Me refiro não à variante praiana e hippie-chic, menos ainda à variante de seres da noite idólatras de Louis Garrel, e sim de um subgrupo frequentemente desprezado, o dos manos. Tentarei ser o mais gentil possível na caracterização desse grupo, mas alguns clichês, como a idolatria à uma planta supostamente descoberta hà 5 mil anos, são inescapáveis.
Especificamente, vários deles usavam bonés do Cone Crew Diretoria. Swag.
Me aproximando mais, vi desenhadas na mochila de uma garota, com marcas de caneta que provavelmente não foi feita para escrever em tecido, o nome de várias bandas gringas conhecidas, como System of a Down, Alice in Chains, Nirvana, e todos os simpáticos e saltitantes suicidas de Seattle. O fraco que tenho por moçoilas com um gosto musical apurado(leia-se parecido com o meu) me levou à tentar puxar papo.
-Caraca, vocês sabem o que tá acontecendo aqui?!?- ela perguntou à seus outros camaradas caricaturescos, ao que eu, subitamente entrando na conversa, respondi "Claro, estão gravando o último episódio de Avenida Brasil".
Parece um jeito tosco de revelar um detalhe importante dessa pequena trama, mas sejamos francos, à essa altura você só quer que eu desembuche. E era isso mesmo. Mas eu errei em minha suposição de que aqueles repórteres estavam lá para cobrir as últimas diabruras da Carminha. Na verdade, tudo não se tratava de uma bizarra coincidência.
Lá no fundo, entre os repórteres, estavam duas eminências pardas. Usavam um rosto pálido, com bigode negro sólido, bochechas rosadas e um sorriso congelado de porcelana. Os dois eram exatamente iguais. Eram anônimos, e eram Anonymous, aquela figura deveras onipresente.
Depois de me introduzir, à maneira de um dos velhos filmes sobre agentes duplos, entre os fãs de Cone Crew e a mini-Courtney Love perdida em um paraíso tropical, decidi ver o que os meus irmãos de combate tinhamá dizer sobre tudo aquilo. Fui seguido por Courtney e por sua amiga, Proserpina¹, que trajava com orgulho um boné do já mencionado grupo de rap de-um-sucesso-só e brandia para todos os lados perguntas sobre a tal da erva, tudo isso enquanto se agarrava em meu braço como se o mundo fosse acabar, tendo me conhecido à menos de cinco minutos.
Os dois outsiders de fato estavam cada vez menos ameaçadores e cada vez mais incomodados pelas perguntas de minhas novas e improváveis amizades(é incrível como eles fazem amigos rápido, na verdade). Tentavam manter uma aura de mistério e respondiam à perguntas com respostas vagas. Eis aqui um diálogo típico daquele momento:
Proserpina: Po, mas quem é você?
Anonymous: Eu sou todos.
Eu: Não cara, você é os 99%.
Anonymous: Isso também.
Proserpina: Tira a máscara para eu ver seu rosto! (Será que ele é bonito?)
Anonymous: Po, não.
Proserpina: Mas então me diz quem é você!
Anonymous: Eu sou todos.

Ad infinitum. 

 Proserpina, de fato, agia como uma criança de 4 anos que havia usado um supositório cheio de cafeína, com uma boa dose de DDA no meio. Perguntava aos pobres Anonymous se eles pretendiam legalizar a maconha nos territórios que conquistassem, e, na verdade, confundiu-os com o personagem V, do filme... bom, à essa altura vocês já sabem qual.²
Não demorou muito para arrancarmos deles o motivo de sua presença. Estavam lá para protestar contra a violência da polícia contra os banhistas- ou à favor da violência dos banhistas contra a polícia, dependendo da visão que você adotar- no que ficou conhecido como A Batalha de Ipanema, pelo menos entre o(bastante reduzido) círculo em que essa informação circulou. E como iriam protestar? Simples, realizando A maior altinha do mundo. 
Mas, pera, como isso iria funcionar? Como mais de 500 pessoas passariam a bola entre si? Passariam para os vizinhos? As pessoas nas outras pontas ficariam esperando numa fila? Haveria tíquetes? Racionamento de embaixadinhas? A resposta à essas perguntas permanecerá um mistério, pois nunca pude perguntar à ninguém sobre a realização da altinha, e porque, na verdade, pelo menos em teoria, ela estava acontecendo naquele exato momento.
A extensão da importância capital daquele momento e a sinificância da convergência de espaço e tempo demoraram para me atingir, mas chegaram como um chute de altinha mal mandado. Do tipo que te acerta na cabeça. Nossa, que metáfora rasteira. Mais rasteira que carrinho em futebol.
A Avenida mais rica do Rio de Janeiro, onde estava sendo gravada o capítulo final da novela que parou o país, acontecendo ao mesmo tempo que um protesto fomentado pela internet e apoiado pelo grupo que estava parando o mundo, em uma seção da praia frequentada por artistas e, aparentemente, partículas de Swag ambulante. Verdadeiramente, um microcosmo do Brasil, e, porque não, do Ocidente. Me senti no centro dos acontecimentos, no centro do mundo, dessa bola de futebol que roda na imensidão do espaço, no centro desse Globo e de sua intrincada rede de informação que pareceu simplificar-se e achatar-se por um momento.
Só teve um problema: a multidão não apareceu. O povo sumiu. E agora, José?
De fato, no protesto apareceram apenas os dois Anonymous, vestidos à caráter com seus casacos anarquistas de grife e máscaras elaboradas. A tristeza dessa realidade logo me atingiu, e pouparei vocês da metáfora da bola dessa vez.
Os repórteres não estavam lá por Carminha.³ Estavam lá pelo protesto. Os policiais não estavam lá para proteger a Carminha do assédio dos repórteres. Estavam lá para conter o protesto. E o que a chama mobilizadora da internet, a fúria de mil manifestantes virtuais sem rosto, prontos para explodir o edifício da poderosa mídia e tudo que ela sustenta, o que essa galera do mal entregou à polícia e à mídia que dela tanto esperavam? 
Dois manifestantes. 
Parece paródia, mas é a triste realidade. Nesses tempos de ultra exposição dos movimentos de protesto na mídia tradicional, temos 10 repórteres, 30 policiais e 2 manifestantes. Nunca o desequilíbrio de forças na atual luta contra "o sistema" e a sua própria incorporação, em tempo recorde, pelo sistema, foi tão bem representada. Mais uma vez, a Avenida Vieira Souto se tornara um microcosmo do Ocidente, porém não da maneira que eu desejava.
O "protesto" não demorou à acabar. Os policiais foram embora logo, percebendo que talvez tivessem se precavido demais. Courtney, apaixonada pelo Anonymous(o que uma máscara não faz) imitava sua amiga e fazia perguntas, enquanto Proserpina ganhou nova vida ao lado dos repórteres, que tiraram fotos suas andando de skate, e eu discutia os rumos do movimento com o outro Anonymous. Rapidamente me sentindo sem propósito, caminhei para o horizonte sem me despedir de nenhum de meus novos conhecidos, como frequentemente faço em situações como essa, e, voltando para casa, observei o sol enquanto ele se punha sobre aquela pequena e irrelevante parte do mundo.

Franco Alencastro faz parte do 1% que ainda acredita nos 99%.

¹not an actual name.
³ ainda estivessem lá pela Nina; e é só isso que direi sobre o assunto. Fica difícil falar sobre o quão a Débora Falabella me remete à um ideal de beleza clássico e ainda assim reformado para a contemporaneidade, sem parecer o McLovin.

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