domingo, 11 de novembro de 2012

Sobre os Índios pobres.

Eu vou começar esse texto, descarregando já a afirmação mais polêmica que ele contém: Não existe pobreza.

...

Tenha certeza de que digeriu isso por um segundo. Essa foi a pequena entrada, e é muito importante para criar o gosto para o prato principal, esse é o resto do texto. E não, não é apenas uma cópia da manobra espúria que eu usei no texto Democratização do Abraço. Lembra daquele texto? É, exato, aquele em que eu NÃO falei da Democratização do Abraço.
Já estou antevendo as críticas, e vou escrever elas aqui, como faço tradicionalmente: 
Não existe pobreza? Ah, claro, é fácil pra você que vive no bairro mais rico do Rio de Janeiro e escreve com comodidade num computador chique que seu papai comprou com o dinheiro que ele tem em paraísos fiscais, sem passar fome ou frio. Queria ver você, uh, andar 200 metros e ir viver na Cruzada São Sebastião! Aí você ia ver o que é pobreza!
Bom, sobre essas críticas, tenho dois comentários à fazer: Primeiro, bom, de fato, eu nunca estive em uma favela. Mas eu vivo no Rio de Janeiro, po! Você não pode andar 100 metros sem ver pobreza, mesmo nas partes mais ricas da cidade, e é lá onde os moradores de rua realmente fazem sentir sua presença, por destoar tanto do ambiente que os cerca. Segundo, se você realmente sabe que eu vivo à 200 metros da Cruzada São Sebastião, pare de me stalkear, seu estranho, porque eu nunca disse isso aqui.¹
Bom, agora que passamos por essa etapa, vou explicar melhor a minha afirmação. Mais especificamente, vou explicá-la com uma pergunta: Os índios são pobres?
Pergunta difícil de responder, não? Provavelmente nunca pensou nisso, até porque não é uma coisa que normalmente nos perguntemos, um pouco como "Será que um cachorro fica bem de tutu?", uma pergunta que só faz sentido se você vive perto de uma abundância de tutus e de cachorros.
Mas vamos ilustrá-la com uma comparação. Vamos pegar um índio da floresta amazônica, isolado, daqueles que atiraram flecha no helicóptero que os filmava, e compará-los com alguns moradores da Favela da Maré, e com, sei lá, Christiane Torloni.

 Hoje é dia de comparação, bebê!
À partir daí, já dá pra responder a pergunta, pelo menos em termos relativos. Christiane Torloni é mais rica que os moradores da comunidade? Sim, possivelmente mais do que centenas deles juntos. Christiane Torloni é mais rica que os Índios? Provavelmente não.
Mas como assim? Se pensarmos bem, os índios estão em situação pior do que os favelados- os favelados até conseguem ter roupas, os índios nem isso. Os favelados tem acesso à comodidades modernas como televisores, rádios, e até os malditos celulares que eles fazem questão de usar para ouvir música no ônibus. Em comparação, os índios não podem nem ver a tinta secar, porque eles não tem tinta.²
Mas essa é a questão: ponha os índios em um cenário urbano, e eles viram os mais miseráveis dos miseráveis. Andado por aí pelados, sem trabalho, vivendo de caçar esquilos no Jardim Botânico. Ok, talvez não, mas seria hilário.
O caso dos índios é especial porque é um grupo que se desenvolveu praticamente isolado de todos os outros, e assim, eles estão o mais longe o possível de elementos de comparação. Enquanto isso, os moradores da favela da Maré provavelmente vivem bem perto de Christiane Torloni(ou sei lá, não sei onde ela mora, ao contrário de você, que sabe até onde eu moro.), o que faz com que comparem à si mesmos com alguém muito mais rico. Assim, é minha tese de que a pobreza é algo quase totalmente relativo.
É claro que essa lógica tem limites. Ao contrário da posse de smartphones, a fome, o frio e as doenças não podem ser relativizados. Só é possível falar de pobreza relativa à partir de um certo nível- na verdade, os estudos pioneiros sobre o efeito da renda na felicidade parecem demonstrar exatamente isso, não só confirmando o velho adágio de que o dinheiro não traz felicidade, mas que o bem-estar humano se estabiliza após a renda chegar á um certo nível, o que mostra que existe um nível de pobreza absoluta. 
Assim, se você também estava fazendo a pergunta "Ah é, mas e que tal comparar os favelados com os africanos, que passam fone, sofrem de AIDS e vivem em zonas de guerra", a resposta é que, obviamente, os africanos vivem pior que os brasileiros pobres, mas isso não compromete o resto do raciocínio. O que importa, no fim das contas, é o que sempre suspeitamos- saúde, estabilidade, paz, três refeições ao dia, e, especialmente, igualdade. A grande pergunta é- nesses tempos em que se fala cada vez mais em privilegiar a produtividade, a competitividade, e as altas taxas de crescimento, não seria mais fácil pegar o que já temos e garantir mais para todos?

Franco Alencastro é mais um que achou que a Christiane Torloni estava bem gata naquela foto.
 
¹Bom, acabei de dizer.
²Eles podem, contudo, ver a grama crescer.
 



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