quinta-feira, 25 de abril de 2013

Não é um adeus...

Como vocês talvez tenham notado, a frequência de postagens tem caído bastante. 
Eu poderia inventar alguma desculpa pessoal, alguma avó morta, alguma doença rara.
Mas a verdade é que simplesmente não tenho encontrado coisas interessantes o suficiente para escrever sobre. A vida subitamente não parece tão interessante, parece... desprovida de mel. De acontecimentos marcantes.
Poderia até falar de coisas banais, mas o velho adágio de Tolstói também vale para as crônicas: os eventos interessantes são todos interessantes à sua maneira, enquanto que a banalidade é igual em todo o mundo(e é justamente por isso que é banal). Flaubert escreveu um bom livro sobre a banalidade sem que ele mesmo ficasse banal. Mas eu não sou Flaubert, então passo essa missão adiante. Até poderia render uma boa crônica, mas, e então? Gosto de manter uma reserva estratégica.
Mesmo as ideias boas que tinha guardadas em meu "cofre de ideias para crônicas"(sim, ele existe, e não, não é meramente figurativo) subitamente me parece desprovidas de imaginação e de interesse. Postá-las aqui seria um desperdício do meu tempo e do tempo que vocês gastariam lendo. Prefiro poupá-los disso para que juntos, um dia, possamos organizar uma festa, trazer para lá as horas que economizamos e assistir a 1a Temporada de The Newsroom. 
O que isso significa? Significa que, recentemente, tenho me aproximado mais do significado original desse blog. O blog se chama 'Literabytes', e é isso que ele será. Literatura de primeira qualidade, postada ocasionalmente, após ter sido devidamente amadurecida, pisoteada, fermentada e servida em um copo de cristal. 
Tendo à me perder nessas metáforas, mas é isso que isso significa: á partir de hoje, focarei menos nas crônicas, e mais em terminar os meus projetos atuais. A consequência evidente disso é que eu ficarei um certo tempo distante desse blog. Isso é, por assim dizer, meu segundo hiato(uma palavra muito feia, aliás; soa como "miado", "chiado", ou "viado". É uma daquelas palavras da língua portuguesa que soa exatamente como sua definição: Tem sabor de despedida)
E quais são meus projetos atuais, vocês devem estar se perguntando? Pois bem, atualmente estou trabalhando em um pequeno romance chamado Eu Matei Caetano Veloso, e sim, eu pretendo que ele seja exatamente tão insano quanto o título sugere.
Por isso, sintonizem aqui no dia 15 de Maio, para a estréia mundial de Eu Matei Caetano Veloso! Somente no Literabytes.
E lembrem-se; não é um adeus, é somente um "até logo".

Franco Alencastro, uh... sei lá. Estou ficando cansado disso.

Música da semana: Pato Fu- Isopor

terça-feira, 16 de abril de 2013

O Fim da Beleza, ou: Orwellianismos imaginativos de uma época libertária

     Estava ontem conversando com um amigo pela internet. O barulho de fundo, na televisão, era a entrevista do Pastor Silas Malafaia pela Luciana Gimenez. Como ambos estávamos  assistindo o programa- admirável mundo novo da solidão coletiva!- a discussão acabou virando sobre uma sobre preconceito. Discorremos sobre várias ideias, algumas polêmicas- porque os homossexuais devem ter uma lei que proíbe a agressão contra os mesmos, se, afinal, a lei pune a ação, independente da pessoa que é a vítima? Isso não criaria duas classes de cidadãos?- e acabamos chegando em uma questão complexa-Como saber se, por exemplo,  quando uma pessoa faz uma entrevista de trabalho e é recusada, ela não está sendo recusada por causa de alguma característica física, ou se é pelas suas competências?
Mas como distinguir? Só com câmeras escondidas em todas as empresas, tentando pegar os chefes dizendo claramente, com todas as sílabas, que não contratam esse tipo de gente. Tipo um BBB do racismo. Provavelmente renderia um bom programa de televisão, mas no momento é inviável.
Seriam as cotas a solução? Mas cotas para quem? Tem preconceito com tantos grupos diferentes; quase todos, na verdade. Precisaria ter cotas para homossexuais, negros, gordos, feios...
Feios?
A discussão acabou virando sobre feiúra. 
Afinal, o feio sofre, e como. O feio é antes de tudo, um inadequado. O feio é uma ferida aberta no meio da rua, na praia, no transporte público(aliás, e como). Existe o ideal, e existe o feio. De certa forma, somos todos feios; não conheço ninguém que se adequaria ao padrão supostamente ideal de beleza. Tem sempre um rosto assimétrico, um nariz adunco, uma orelha grande que nos faz dizer: Ah, que pena, elx podia ser tão Bonitx...¹
Podemos até não perceber que isso é um preconceito, mas é. E pode parecer frívolo... e na verdade é sim, mas ei, eu me importo.
Não só os feios amam, como também trabalham, e não contratar as pessoas por feiúra- ou, sendo politicamente correto, por não se adequarem ao padrão de beleza vigente- é uma injustiça, uma porcaria, uma droga, uma coisa feia.
Digo...
Ah, vocês entenderam.
Tudo isso me lembrou de um livro que li (não muito) recentemente, Cidade da Penumbra. Foi escrito por aquela francesa periguete que escreveu Hell Paris 75016, que você deve lembrar como o "livro cult da semana" de algum momento de 2010, posteriormente adaptado ao teatro por Hector Babenco. (Ela sem dúvida assina com nome artística, já que eu duvido que uma mãe amorosa, ainda que francesa, chame sua filha de Lolita). 
Enfim, de volta ao livro. A Cidade da Penumbra do título é uma sociedade distópica do futuro, onde, para acabar com os preconceitos, o governo dà o direito à cada um de seus cidadãos à cirurgias plásticas gratuitas. 
Não era um livro muito bom, e até hoje eu não passei da centésima página, mas a proposta era intrigante. Na verdade, mais do que isso; pode ser a única proposta capaz de impedir o preconceito por feiúra.
Veja só: qualquer pessoa que quiser um nariz novo, é só entrar pela porta de uma clínica, e sair por outra porta, novinho em folha. Cabelo liso, seios maiores, dentes brancos? É tudo coberto. O Direito à Beleza: O ápice do Estado de Bem-Estar Social.
Depois de um tempo, começaria à ocorrer algo engraçado. Todos alcançariam os padrões de beleza que sempre sonharam. Flutuaríamos por aí, alvos, esbeltos e longilíneos, como elfos de Tolkien. Mas o padrão é só um, e a consequência é um exército de clones.
A igualdade absoluta aprisionaria o ser humano, nosso desejo de ser apreciado, de ser distinto dos demais, da massa torpe vegetando aos nossos lados, o outro. A beleza absoluta perderia sua exclusividade, seu caráter de diferença, e ficaria reduzida à uma banalidade, inferior em valor à uma moeda de cinco centavos. Então, surgiriam novas formas de se distinguir. As pessoas passariam à fazer modificações corporais mais estranhas. Cabelo raspado, orelhas faltando, veias coloridas de verde, não importa. Logo, logo, começaria uma corrida armamentista pela beleza e pela diferenciação. Debaixo do sufocante padrão de beleza, milhões de tendências de não-beleza surgiriam. Compreenderíamos, finalmente, o uso possível do programa de cirurgias plásticas do governo, e o usaríamos para ficar completamente diferentes. Ninguém seria igual. O corpo viraria um meio de expressão artística. Com cada um buscando aquilo que acha belo, o próprio padrão de beleza morreria soterrado sobre essa grande festa plural.
Esse mundo, ironicamente, seria uma beleza.

Franco Alencastro garante que todos os preconceitos nesse texto são 100% intencionais.

¹Sim, vou usar o "x" para os artigos agora. É o que todx fazem hoje.

Música da Semana: Elastica- Stutter


terça-feira, 9 de abril de 2013

Deus e o Diabo na Terra da Democracia

O Telefone tocou com uma certa estridência. Apesar de ser onipresente, onipotente e onisciente, e, portanto, sempre saber quando o telefone vai tocar e sempre estar lá na hora em que isso acontece, Deus, como qualquer outra pessoa, odiava ser interrompido em suas partidas de Mario Kart.
"Digam o que quiserem sobre a Peste Negra, a Inquisição, o Ku Klux Klan e o Colonialismo,   essas pequenas invenções fazem todo o resto valer a pena", disse à si mesmo, divagando sobre o jogo. Poderia mandar Jesus atender para poder continuar jogando, mas o havia mandado para a Terra mais uma vez. Ia aparecer em uma torrada de novo. Os dois nunca se cansavam daquele jogo- ajudava à criar um laço entre pai e filho.
Em um nanossegundo, porém, lembrou que era Deus, então atendeu o telefone enquanto jogava. Do outro lado da linha, veio um forte cheiro de enxofre, e uma voz familiar se fez ouvir.
-Falaí, Mano D!- disse a voz.
-Lúcifer?- Deus suspirou. Quando Satã ligava, geralmente era para causar problemas, ou para mandar trotes.
-Graaaaande Deus! Como estão as coisas aí no Paraíso? Vão bem?
-Que pergunta mais idiota, Lúcifer. Aqui é o Paraíso. É óbvio que está tudo bem. Tudo está sempre bem, por definição.
-Ooopa, alguém parece meio mal-humorado. O que foi? O Oscar já passou e já não tem tanta gente te agradecendo nos discursos?
A risada de Lúcifer era diferente do que se podia esperar. Ele não soava como um locutor de rádio que tinha gargarejado com areia; Dizer que era uma voz feminina seria uma injustiça; era apenas muito fina e enjoada. O equivalente mais próximo, na Terra, seria o eventual filho de Xuxa com Pe Lanza. Em parte, era por isso que Deus o banira: não suportava gente com voz chata.
Deus respondeu, com rispidez:
-Se você me ligou para ficar me gastando, Lúcifer, eu vou desligar.
-NÃO DESLIGUE! Espera. É importante.
Deus suspira novamente. -Diga.
-É sobre as novas pessoas que chegaram aqui no Inferno.
-Prossiga.
-Sabe, aquele acordo que nós fizemos hà três bilhões de anos... quero dar uma renegociada. Honestamente, Deus... to cansado.
Deus franziu as sobrancelhas, surpreso. -Porque, exatamente?
-Foi esse acidente de avião que aconteceu lá em cima, recentemente. Todo mundo que estava dentro veio pra cá.
-Todo mundo?! Nenhuma pessoa sequer veio pro Céu?
-Porra Deus, pensei que você mantivesse um registro dessas coisas.
-Quem faz isso é São Pedro, que aliás, nem está aqui. Nessa época do ano ele trabalha em meio-período, porque tem que cuidar das águas de março.
-Sei. 
-Mas continue.
-Nenhuma pessoa dentro do avião foi pro Céu, porque o avião estava cheio de Deputados e Senadores do PMDB, indo para Paris.
-Ah, tá explicado. Mas Satã, nós decidimos há muito tempo que era você quem ficaria com os políticos desonestos.
-Deus, sério, eu preciso de ajuda. Você não sabe o que esse pessoal está fazendo aqui. Já estão dividindo o lugar todo.
-Como assim?
-Estão pedindo 40% dos cargos de torturadores no Sétimo Círculo, 30% no Oitavo e 10% no Primeiro. Também querem ganhar comissões para fingirem que não viram a infraestrutura perigosa e precária e os desrespeitos aos Direitos Humanos. Eu tentei explicar pra eles que esse é que é o espírito do lugar, mas eles não me escutam.
-Satã, posso dizer uma coisa?- disse Deus, na sua melhor voz paternal.
-Por favor, estou aceitando todos os conselhos.
-VOCÊ É SATÃ. Você já acolheu aí as hordas Hunas, a SS, e o Nero, que só não botou fogo na porra toda porque já está tudo queimado mesmo. Então levante esse traseiro vermelho e faça seu trabalho!
-Mas Deus, você não entende, eles até pediram que Belzebu renunciasse ao posto de segundo em comando! Disseram que assim, não dá pra governar. Querem indicar um tal Renan Calheiros para o cargo.
-Olha, Satã, se você não tem força de vontade, eu não posso fazer nada. Tira umas férias lá no Purgatório. Pega um solzinho. Refresca a cabeça, e daí volta. Toca o terror. Mostra quem é o verdadeiro Satã. 
-Estou mesmo pensando em me aposentar, nem que seja só por uns mil anos. O bom é que acho que já arranjei uma substituta.
-Rápido assim?
-É, ela acabou de chegar. É inglesa, e já chegou reclamando do lugar, dizendo que é ineficiente, que se entregássemos o inferno pro setor privado, teríamos muito mais lucros, teríamos mais almas por metro quadrado levando torturas piores, etc. Acho que gostei dela. Margaret alguma coisa. Ela parece conhecer o Ronald Reagan, foi conversar com ele naquele poço onde ele é cozinhado pelos nicaraguenses que matou.
-Há, saudoso Reagan. Enfim, boa sorte com sua aposentadoria, Satã. Quando quiser, passa aqui, a gente joga um...
-Mario Kart?- Satã riu do outro lado do telefone.- Ainda joga isso? Você sabe que possessão é um jogo muito mais divertido.
-Nunca consegui gostar. Enfim, té mais.
-Té mais, Mano D!
Deus desligou o telefone e ficou satisfeito ao ver que, mais uma vez, ocupava a primeira, a segunda e a terceira posição no pódio.

Franco Alencastro é teólogo, filólogo e prólogo




quinta-feira, 4 de abril de 2013

Garotas Suicidas

Vou começar esse texto admitindo na lata que sou fã das Suicide Girls.
...O que, não conhece? Bom, isso é embaraçoso.
Aproveite essa deixa e dê uma olhada.
O site foi criado em 2001 pelo internauta Sean Suhl e uma tal Missy Suicide, cujo nome certamente não foi dado pelos pais. Desde então, se tornou uma vasta franquia incluindo uma revista impressa, livros de fotografia, até filmes. O site entrevista com frequência personalidades do porte de Natalie Portman e David Lynch.
Mais do que um sucesso financeiro, porém, o site se revelou um triunfo feminista: foi elogiado por várias publicações e indivíduos por redefinir aquilo que é considerado 'belo', abrindo o espaço para a apreciação da beleza não-convencional de sub-culturas como a gótica, metaleira, skatista, punk e por aí vai. Não só isso, mas finalmente as mulheres que não se sentiam representadas pelas anoréxicas e retocadas modelos de revista passaram á ter um tipo de beleza ao qual poderiam aspirar; um que parecia mais acessível, mais próximo da realidade.
É claro, tudo tem seu lado B, e foi por isso que decidi escrever esse texto. Na minha experiência, poucas coisas que são realmente um tapa na cara da sociedade alcançam o sucesso, isso porque a sociedade, por razões óbvias, não gosta de levar tapa na cara. O "tapa na cara" que passa pelo crivo da mídia e cai no gosto popular, como um tipo de masoquismo coletivo, o "falar mal do outro" quando o outro é o coletivo ao qual pertenço, é geralmente uma versão atenuada do original, e que serve para confirmar velhas crenças, mais do que subvertê-las. Suicide Girls, mais do que uma expressão de auto-afirmação frente à uma sociedade moralista e idealista por fora mas altamente corrompida e hipócrita por dentro, é na verdade um feminismo Bic Mac.
Explico. O objetivo declarado do Suicide Girls é o de difundir formas de beleza alternativas, frente à estreita definição dada pela sociedade, como entrega o título de um dos livros que contém fotos de modelos do site: Suicide Girls- Beauty Redefined. Mas o que dizer das modelos em si? Elas são realmente tão diferentes das modelos que vemos por aí? Claro, a maioria delas são pessoas normais, mas quase todas as modelos começaram assim, e, na verdade, tirando os piercings, e os cabelos coloridos, as Suicide Girls se enquadram com facilidade nas noções de 'beleza clássica'- pele branca, simetria das feições, poucos pêlos, ei, a maioria delas é até bem magra. Para as pessoas que defendem o site, isso na verdade pode não passar de adotar uma posição 'politicamente correta' ou 'progressista' sem realmente propôr nada de muito novo ou sair de território familiar. Isso é um problema que acredito permear vários aspectos e causas da sociedade ocidental, e vêm se espalhando como um câncer- desde o movimento ambientalista, até o empoderamento das minorias. Mas estou tergiversando.
O próprio site não escapa de algumas gafes bem anti-feministas. Várias modelos já deixaram o site em protesto às práticas de seu dono Sean Suhl, e ele já foi qualificado de abusivo, misógino e desumano no tratamento dispensado às candidatas, embora poucas informações à respeito das implicações disso tenham aparecido. Essa entrevista esclarecedora detalha algumas de suas práticas, como quando demitiu modelos que queriam trabalhar com outros sites além do seu, além de registrar que chamou as modelos de "prostitutas feias e sem talento". E viva o feminismo.
Isso não seria completamente contrário ao objetivo original do site, que Sean Suhl descreveu como sendo "ver garotas punk-rock peladas".
...Não que eu não ache isso legal.

Franco Alencastro, em homenagem às modelos de sub-culturas que tanto batalham mostrando os peitos para ganharem espaço na internet, vai chamar seu segundo álbum de Maníaco do Parque e as Garotas Suicidas.

Música da semana: I Think I'm Paranoid- Garbage