terça-feira, 16 de abril de 2013

O Fim da Beleza, ou: Orwellianismos imaginativos de uma época libertária

     Estava ontem conversando com um amigo pela internet. O barulho de fundo, na televisão, era a entrevista do Pastor Silas Malafaia pela Luciana Gimenez. Como ambos estávamos  assistindo o programa- admirável mundo novo da solidão coletiva!- a discussão acabou virando sobre uma sobre preconceito. Discorremos sobre várias ideias, algumas polêmicas- porque os homossexuais devem ter uma lei que proíbe a agressão contra os mesmos, se, afinal, a lei pune a ação, independente da pessoa que é a vítima? Isso não criaria duas classes de cidadãos?- e acabamos chegando em uma questão complexa-Como saber se, por exemplo,  quando uma pessoa faz uma entrevista de trabalho e é recusada, ela não está sendo recusada por causa de alguma característica física, ou se é pelas suas competências?
Mas como distinguir? Só com câmeras escondidas em todas as empresas, tentando pegar os chefes dizendo claramente, com todas as sílabas, que não contratam esse tipo de gente. Tipo um BBB do racismo. Provavelmente renderia um bom programa de televisão, mas no momento é inviável.
Seriam as cotas a solução? Mas cotas para quem? Tem preconceito com tantos grupos diferentes; quase todos, na verdade. Precisaria ter cotas para homossexuais, negros, gordos, feios...
Feios?
A discussão acabou virando sobre feiúra. 
Afinal, o feio sofre, e como. O feio é antes de tudo, um inadequado. O feio é uma ferida aberta no meio da rua, na praia, no transporte público(aliás, e como). Existe o ideal, e existe o feio. De certa forma, somos todos feios; não conheço ninguém que se adequaria ao padrão supostamente ideal de beleza. Tem sempre um rosto assimétrico, um nariz adunco, uma orelha grande que nos faz dizer: Ah, que pena, elx podia ser tão Bonitx...¹
Podemos até não perceber que isso é um preconceito, mas é. E pode parecer frívolo... e na verdade é sim, mas ei, eu me importo.
Não só os feios amam, como também trabalham, e não contratar as pessoas por feiúra- ou, sendo politicamente correto, por não se adequarem ao padrão de beleza vigente- é uma injustiça, uma porcaria, uma droga, uma coisa feia.
Digo...
Ah, vocês entenderam.
Tudo isso me lembrou de um livro que li (não muito) recentemente, Cidade da Penumbra. Foi escrito por aquela francesa periguete que escreveu Hell Paris 75016, que você deve lembrar como o "livro cult da semana" de algum momento de 2010, posteriormente adaptado ao teatro por Hector Babenco. (Ela sem dúvida assina com nome artística, já que eu duvido que uma mãe amorosa, ainda que francesa, chame sua filha de Lolita). 
Enfim, de volta ao livro. A Cidade da Penumbra do título é uma sociedade distópica do futuro, onde, para acabar com os preconceitos, o governo dà o direito à cada um de seus cidadãos à cirurgias plásticas gratuitas. 
Não era um livro muito bom, e até hoje eu não passei da centésima página, mas a proposta era intrigante. Na verdade, mais do que isso; pode ser a única proposta capaz de impedir o preconceito por feiúra.
Veja só: qualquer pessoa que quiser um nariz novo, é só entrar pela porta de uma clínica, e sair por outra porta, novinho em folha. Cabelo liso, seios maiores, dentes brancos? É tudo coberto. O Direito à Beleza: O ápice do Estado de Bem-Estar Social.
Depois de um tempo, começaria à ocorrer algo engraçado. Todos alcançariam os padrões de beleza que sempre sonharam. Flutuaríamos por aí, alvos, esbeltos e longilíneos, como elfos de Tolkien. Mas o padrão é só um, e a consequência é um exército de clones.
A igualdade absoluta aprisionaria o ser humano, nosso desejo de ser apreciado, de ser distinto dos demais, da massa torpe vegetando aos nossos lados, o outro. A beleza absoluta perderia sua exclusividade, seu caráter de diferença, e ficaria reduzida à uma banalidade, inferior em valor à uma moeda de cinco centavos. Então, surgiriam novas formas de se distinguir. As pessoas passariam à fazer modificações corporais mais estranhas. Cabelo raspado, orelhas faltando, veias coloridas de verde, não importa. Logo, logo, começaria uma corrida armamentista pela beleza e pela diferenciação. Debaixo do sufocante padrão de beleza, milhões de tendências de não-beleza surgiriam. Compreenderíamos, finalmente, o uso possível do programa de cirurgias plásticas do governo, e o usaríamos para ficar completamente diferentes. Ninguém seria igual. O corpo viraria um meio de expressão artística. Com cada um buscando aquilo que acha belo, o próprio padrão de beleza morreria soterrado sobre essa grande festa plural.
Esse mundo, ironicamente, seria uma beleza.

Franco Alencastro garante que todos os preconceitos nesse texto são 100% intencionais.

¹Sim, vou usar o "x" para os artigos agora. É o que todx fazem hoje.

Música da Semana: Elastica- Stutter


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