domingo, 6 de julho de 2014

120 horas em Lhassa - Parte XI

15 horas, 27 minutos
-Traidores! Não passam de traidores! Todos vocês!
O Ministro da Energia Dao Rinpoche esbravejava contra o vento poderoso que batia contra a grande varanda do Palácio Potala. Ninguém o ouvia. Os gritos de Rinpoche eram desesperadoramente impotentes ante o vento ancestral e o burburinho da multidão. E, para o seu assessor, o velho Hefei, a cena de seu patrão dependurado em uma das grades de madeira vermelha da varanda, segurando uma garrafa de conhaque envelhecido seria bastante constrangedora se já não tivesse se repetido tantas vezes.
-Senhor... posso ser um mero criado, mas minha experiência me diz que esbravejar contra a multidão não a fará se dispersar.
Rinpoche virou para ele e seu rosto formou uma grande caricatura enrugada.
-Ora seu fede...- Rinpoche tentou acertar Hefei com a garrafa, mas este deu dois passos para o lado. Rinpoche perdeu seu alvo e tropeçou no próprio manto, caindo de cara no chão. A garrafa quebrou e seu conteúdo molhou o rosto do ministro, que engasgou e começou à babar enquanto choramingava, percebendo o sangue em sua testa.
-Olha pra mim- soluçou- Estou uma bosta! Como posso ser o ministro da energia nesse estado?
-Senhor ministro, você está uma bosta sim- disse Hefei com um sorriso. Ele aproveitava sempre que Rinpoche ficava bêbado para insultá-lo o máximo que podia.-Mas, se posso dar uma opinião... O seu antecessor me falou certa vez de um poderoso equipamento. Acho que pode ser exatamente do que precisamos.
-O que?- balbuciou.
-A mídia, senhor. Ela está toda aqui. Se pudermos usar...
-Espera, espera, espera. Levante-me.
Hefei ajudou Rinpoche à se levantar, com muita dificuldade.
-Você não está falando... da Tomada Universal, está?
-Estou sim, chefe. É só o que pode nos salvar agora. Se impedirmos a propagação das notícias impediremos que a revolta se espalhe para outras cidades.
Rinpoche olhou para a praça, que agora parecia uma cidade, infindáveis velas se estendendo como um tapete de estrelas.
-Hefei- disse, recompondo-se.- Pegue meu casaco. Vamos desligar o país.


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