3 horas e 50 minutos
-É aqui mesmo. Pode me deixar.
O taxista gordo e suado, de origem Mongol, pareceu ter
ficado com uma pulga atrás da orelha depois que percebeu que seu passageiro
estava para descer em uma zona completamente tomada por sacrílegos. Dinheiro é
dinheiro, pensou, e abriu a porta para Tyuugai. Tyuugai entregou para ele 12
Rúpias Bukkaras- um assalto, principalmente para ele que veio de família
humilde e cujo dinheiro quase não dava até o final do mês. A Li ainda me paga,
pensou.
Chegando à praça, confrontou-se com uma dificuldade: como
encontrar Li no meio daquela multidão? Com certeza, no meio de toda aquela
gente cinzenta, enrugada e mal-vestida ela acabaria se sobressaindo, mas mesmo
assim seria uma tarefa de várias horas.
Aproximou-se de uma velha senhora que carregava uma gaiola
cheia de pintinhos, e perguntou à ela:
-Com licença, você fala Mongol?
-Mongol? Ah sim, eu falar, quer dizer, não muito. Meu
vestido está pululando com agendas e eu não treinar há um peixe.
Tyuugai não entendeu quase nada, mas tentou prosseguir a
conversa.
-Viu moça... dessa altura... jovem, de tailleur?
A velha fez uma cara de confusa e então, compreendendo,
disse:
-Ah sim, moça maluca. Ela ser revolucionária mais
diferente da face da vida.
Apontou então para o centro da praça, onde estavam algumas
caixas; em cima delas, alguns monges e uma garota magra e jovem berrando em um
megafone.
-Li?- Tyuugai perguntou, observando aquela cena bizarra.
Lembrou-se então da velha e disse para ela: -Ham, certo, obrigado pela
informação, velha senhora.
-Não há de onde- disse a senhora, abrindo um sorriso sem muitos
dentes.
Tyuugai andou com dificuldade até o local onde estavam as
caixas, e conforme ia chegando mais perto a mensagem de Li no megafone ia
ficando mais clara:
"Aguentamos a opressão por muito tempo!"
"Abram as portas das cadeias! Derrubem as fábricas!
Confisquem as armas!"
"Não devemos ter medo do Dalai Lama. O Dalai Lama
deve ter medo de nós!"
Das duas uma: ou essas frases simbolizavam mais um de seus
acessos de rebeldia, ou ela tinha pirado de vez.
-Li, esse é um dos seus acessos de rebeldia ou você pirou
de vez?- disse ele, enfurecido.
Li não ouviu, mas logo depois virou-se para a ala sul da
praça empunhando seu megafone, e, vendo Tyuugai, abriu um sorriso.
-Tyu! Como foi lá na escola?
-Bom, felizmente, o incêndio tinha começado às 5 da manhã,
antes da escola abrir, então ninguém se machucou. Mas a pergunta mais
importante nesse momento é: o que está fazendo aí?
A multidão começou à reclamar do silêncio súbito de Li.
-Tyu, veja só- ela limpou a garganta e falou no megafone-
Esse é um momento histórico!
A população bateu palmas e gritou em apoio.
-Tyu, eles me amam. Eu nasci pra isso- disse Li, esboçando
um sorriso de ingenuidade sincera.-O tempo todo eu estava indo na direção
certa, mas tinha escolhido a vocação errada. É meu destino, sim, cativar
multidões com a minha voz e meu carisma, mas não detrás das lentes de uma
câmera. Meu lugar é aqui, com a massa! Os operários, os tecelões, os mineiros!
Todos esses pés-rapados que ninguém defende!
Tyuugai balançou a cabeça, meio chocado, meio entristecido.
-Li... você é maluca.
-Diga-me algo que eu não sei.-limpou então a garganta-
Hora do show!-e recomeçou a esbravejar no megafone.
Tyuugai reuniu forças e começou à gritar.
-Li, você está sendo irresponsável! Só tem 22 anos! O que
você entende da vida e da política? Está tendo é um acesso de rebeldia!
Li virou-se para Tyuugai e largou o microfone.
-E você? Acha que entende alguma coisa?! Eu já entendi!
Isso aqui, seu reacionário, parece pacífico, mas é uma guerra. De que lado você
vai estar? Da ação ou da reação? Da morosidade ou da força das novas idéias?
Escolha logo, porque senão nós vamos acabar te atropelando de qualquer jeito!
Enquanto Li cuspia aquelas palavras de ódio, Tyu
permanecia impassível. Olhava os cabelos de Li que, desgrenhados, agora voavam
em frente ao rosto. Porém, por trás de toda aquela repulsa, Tyuugai continuou
vendo aqueles pequenos olhos escuros, que continuavam brilhando- a Li
revolucionária era apenas uma fachada pública. Ela entrara em um jogo, e, pelo
visto, estava se divertindo bastante.
-Está certo. É o seguinte, Li: eu posso não conseguir
fazer você sair daqui, mas nada me impede de ficar aqui, cuidando de você.
-Não preciso ser cuidada.
-É o que veremos.
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