CENA 9/ EXT. DIA
(Corte para um prato cheio de comida fétida, muito provavelmente carne. Faca e garfo cortam a carne em pedaçinhos, com certa violência. Corte para CAIO e BOLA comendo, sentados lado à lado)
BOLA
(de boca cheio)
Olha, vou te contar. Entra cozinheiro, sai cozinheiro, essa comida continua uma bosta. Uma merda, mesmo. Porra.
CAIO
(indiferente)
É, não ta com uma cara boa.
BOLA
Não ta com uma cara boa? Só isso? Mano, é uma merda. Uma merda. Diz comigo, uma meeeerda.
CAIO
(ainda indiferente)
É, bom, ta uma...
(Ele é interrompido por um pombo que pousa na sua comida)
CAIO
(afastando o pombo)
MERDA! Porra, merda de pombo. Cacete.
BOLA
(feliz)
Ah, é disso que o Brasil gosta!
(Corte para os pombos, vários deles. Focamos em suas pernas enquanto eles andam em círculos. Subitamente, um pé aparece, pisando forte, e os pombos se afastam voando baixo. Do tênis, vamos subindo, revelando uma perna que está virada de costas para nós, e de lá para cima.)
ARMANDO
(dá um soco em BOLA)
Koé, negada!
CAIO e BOLA
(desanimados)
Oi, Armando.
ARMANDO
E aí, que que vocês tão “armando”? E qual é a dessa bosta nojenta?
BOLA
É, é o que eu tava dizendo pro Caio. Mas ele não me ouviu.
ARMANDO
Ah qual foi. Vai dizer que você gosta.
(foco em CAIO. Corte para ARMANDO, sentado na mesa. Atrás dele, hà varias pessoas fora de foco. Elas subitamente entram em foco, com ARMANDO ficando fora de foco. Umas das pessoas atrás é uma garota que se vira e olha para CAIO, com olhos de cigana dissimulada. É PATRÍCIA JOVEM. Corte de novo para CAIO, que continua olhando. Corte então para ARMANDO, que fala, fazendo com que o foco volte para si.)
ARMANDO
Alôôô? Eu perguntei uma coisa. É muita falta de educação não responder, Caiado. A sua mãe não te ensinou não?
(ARMANDO ri.)
CAIO
Eu... Até gosto.
ARMANDO
É, até parece.
(BOLA mastiga. De repente, pára de mastigar e fica olhando fixamente para a diagonal, no caso, a tela. Faz um sinal com a cabeça para ARMANDO. Corte para ARMANDO. Vemos que ele está na mesma posição de antes, mas há um braço pequeno puxando sua camiseta. ARMANDO olha lentamente para o lado, e vemos a sua irmã, VITÓRIA. Ela é apenas uma criança.)
ARMANDO
(De boca cheia)
O que foi? Não vê que eu to com os meus amigos? Que eu to almoçando?
BOLA
Cara, pega leve,é a sua irmã.
ARMANDO
É, ta certo. Mostra aí o que você fez.
(VITÓRIA mostra um desenho de criança.)
ARMANDO
(vagamente sarcástico)
Ah, olha só, que desenho bacana, bem legal mesmo, hein. Gostei, é, gostei. O que é?
VITÓRIA
Nossa casa.
ARMANDO
Ah, que fofo.
VITÓRIA
Aqui é o quarto da mamãe, aqui é o sultão, aqui sou eu!
ARMANDO
Que bacana, hein, Vivi. E... que é isso aqui?
VITÓRIA
É você, cheio de xixi.
ARMANDO
(rindo amarelo)
O que? Ah que bobagem, Vivi. Anda, anda, vai brincar.
VITÓRIA
Mas vocês faz xixi! É verdade! A mamãe até tloca os lençóis à noite! Ela Le clamou muito ontem.
ARMANDO
(ri amarelo)
Vivi, nós dois sabemos que é mentira.
BOLA
Que foi, cara? Sua irmã ta te deixando encabulado?
(ARMANDO ri amarelo, cada vez mais perturbado)
VITÓRIA
Mas é verdade! É verdade!
(VITÓRIA continua gritando enquanto BOLA ri alto. CAIO hesita, mas relutantemente ri um pouco, também.)
ARMANDO
(em meio aos gritos)
Vitória, vitória, vai brincar... VAI BRINCAR, PORRA! VAZA!
(ARMANDO dá um safanão em VITÓRIA, que se protege com as mãos e começa à chorar. ARMANDO se levanta e dá pontapés em VITÓRIA. À partir daí, a cena é filmada debaixo, com ARMANDO pisoteando a câmera. A cena é barulhenta e a filmagem é propositalmente tremida e confusa, para dar um efeito perturbador.)
BOLA
Pera, cara, pêra, é sua irmãzinha, pára, cacete!
(CAIO reage apenas timidamente. Close nele. Ele olha para algo. Corte para a jovem PATRÍCIA, ainda olhando tudo de longe. E corte de volta para a violência. O SUPERVISOR surge.)
SUPERVISOR
(gritando e apartando a briga)
Mas que sacanagem é essa? Batendo numa criança?! Você tinha que ter vergonha! Vai, se manda!
(os shots do SUPERVISOR ajudando são entrecortados por shots da jovem VITÓRIA quebrada no chão, chorando. Há também shots faciais de ARMANDO, que encara a sua irmã com placidez e sobrancelhas determinadas e fartas. Eventualmente, ele se vira para CAIO)
ARMANDO
(para CAIO)
Aí Caio, pega por favor o trabalho de matemática de hoje para mim.
(CAIO sai de cena sem maiores conseqüências. O filtro extremamente colorido já mudou para um mais monocromático, ainda que não preto e branco como no resto do filme; algo azulado. CAIO olha para o vazio por um breve instante. Corte então para ele andando de volta para a escola de mochila, enquanto ele olha para trás. Vê a jovem PATRÍCIA com a jovem VITÓRIA, a primeira ajudando a segunda, machucada, à descer da escada. Olha por um breve instante, mas então se vira, e junto com ele, a câmera, que permanece focando em seu rosto. Ele entra em um corredor escuro, iluminado apenas por luzes fracas de LED, o que deixa seu rosto progressivamente escuro conforme ele avança rumo à câmera.)
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