terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Lista de Chamada- Parte Final

(Um shot da janela onde a chuva continua caindo, com fade para: )
 
CENA 27/ INT. DELEGACIA, NOITE

(Uma mão aperta o botão de “gravar” de um daqueles gravadores de fita. Corte para o rosto do delegado, que está fumando um cigarro.)

DELEGADO
Bom, vamos passar essa história à limpo, sim? De preferência rápido.

(vemos então PATRÍCIA sentada do outro lado da mesa, a maquiagem e o delineador parcialmente derretidos pelo choro)

PATRÍCIA
(dá de ombros)
Eu acho que eu sei o que aconteceu.

DELEGADO
(rindo)
Ora, é por isso que você está aqui. Vamos, diga.

PATRÍCIA
Esse cara, Vítor, era um dos mais caçoados da escola desde sempre.

(Várias filmagens granuladas, amareladas e rápidas de VÍTOR sendo zoado de maneiras variadas. Pedala robinhos, pessoas roubando a sua mochila, levando surras explícitas de um valentão em cima dele, este filmado de baixo e ele próprio filmado de baixo com os dentes ensangüentados.)

PATRÍCIA
E então, ele quis vingança.

 (mostra-se então uma filmagem granulada e amarelada de VITÓRIA andando, de costas, e um taco acertando em sua cabeça. Corta para ela filmada de frente, caída no chão, amarrada com cordas e amordaçada enquanto VÍTOR aponta uma arma para sua cabeça. A câmera gira em 360 graus e mostra um ARMANDO choramingando desesperado. Enquanto isso tudo ocorre, ouvimos: )

PATRÍCIA
Então, ele fez o que qualquer pessoa insana faria: seqüestrou a irmã do único cara da escola que sabia fazer biscoitos, para que ele fizesse biscoitos envenenados e os distribuísse para todo mundo, para que eles morressem.

(Enquanto a última parte da frase é dita, vemos uma filmagem, também- surpresa- amarela e granulada, das mãos de ARMANDO misturando massa de biscoito em um pote, e derramando um líquido verde. A câmera vira e vemos o seu rosto sério enquanto ele faz o processo. A câmera vai ligeiramente para o lado e vemos uma arma em sua têmpora)

PATRÍCIA
Mas ele não conseguiu, então agora eu estou aqui, contando essa história. Posso ir agora? Meu amigo está na CTI. Ele pode nem estar mais vivo, então eu queria poder estar lá.

(Ela sai da sala do interrogatório. O DELEGADO está na porta. Acende mais um cigarro e olha pro vazio)

DELEGADO
Garota estranha.

CENA 28/ INT. CTI

(Vemos a cama de CAIO por um ângulo reto, a câmera no nível da cama. Zoom em direção à cama. Vemos PATRÍCIA chegando e se ajoelhando do lado da cama.)

PATRÍCIA
Oi.

CAIO
(com um sorriso fraco)
Oi.

PATRÍCIA
E então, vai viver?

CAIO
Temo que sim.

PATRÍCIA
Que pena. (sorri)

CAIO
Desculpa se eu não sorrio muito. É a morfina.

PATRÍCIA
É, eu sei, eu tinha vício. Por isso não sorria muito.

CAIO
Sério?

PATRÍCIA
Não. As pessoas realmente acreditam em qualquer boato que contam sobre mim, não é?

CAIO
Talvez não só você.

PATRÍCIA
(respira fundo)
Ainda não acredito que isso poderia ter acontecido comigo.

CAIO
O que?

PATRÍCIA
(faz cara de arrependida e evita olhar direto para CAIO)
Eu saí com o Vítor. Nada de mais, foram só duas semanas até ele começar à sair com a Vitória.

CAIO
Vítor estava saindo com a Vitória?

PATRÍCIA
É, daí ele seqüestrou ela.

CENA 29/ INT. ESTACIONAMENTO
(Vemos a polícia pegando um daqueles aríetes para arrombar a porta do estacionamento. Corta então para a polícia entrando por várias portas. Filmagem de cima da polícia preenchendo o estacionamento. Corta para os policiais na frente do armário vermelho onde estava o corpo de VITÓRIA, agora fechado. Eles formam um círculo ao redor, um policial vai até a frente e força a porta com um pé de cabra. Vemos então que o armário está vazio)

CENA 30/ INT. CTI

CAIO
Mas o que isso quer dizer?

PATRÍCIA
Bom, em teoria, ele poderia ter me seqüestrado. É verdade que eu não tenho um irmão que cozinha nem nada mas...

CAIO
(tentando se levantar, e então sentindo-se fraco)
Espera. Uma coisa me ocorreu. O Vítor estava na sala de aula o tempo todo. Ainda não sabemos quem matou o Armando.

(Enquanto isso, do lado de fora da CTI, vemos as pernas de uma mulher andando em direção à um banco onde BOLA está sentado. Corta para BOLA olhando para o lado, e então para VITÓRIA sentando ao seu lado no banco, segurando um buquê de flores, os dois filmados de frente)

BOLA
Vitória, que bom que você está bem.

VITÓRIA
(séria)
É verdade. Que bom que estou bem. E você também. Infelizmente, o mundo não pára, e eu tenho muitas coisas pra fazer. Você pode dar esse buquê para o seu amigo...

BOLA
Caio?

VITÓRIA
Caio, isso. (Ela entrega o buquê.) E transmita o meu desejo de melhoras para ele. Até mais.

(Vemos então VITÓRIA se levantando do banco através do vidro da CTI, e o rosto de CAIO soltando um grito inaudível. Cortamos de volta para o rosto de VITÓRIA, que exibe um sorriso malicioso. Fora da CTI, VITÓRIA começa à andar rumo ao elevador. Dentro, CAIO tenta se desprender do soro e dos outros tubos, e se livra das cobertas, tentando se levantar, sob protesto de PATRÍCIA. Alternamos entre essas duas cenas, eventualmente cortando para uma terceira. BOLA finalmente entende o que está acontecendo; ele se levanta, e vemos o buquê caindo no chão em câmera lenta; na verdade, a cena inteira está em câmera lenta. Esses shots rápidos em câmera lenta se alternam com o discurso de VITÓRIA, que começamos à ouvir no primeiro momento que a vemos andando em direção ao elevador, em um shot frontal.)

VITÓRIA (V.O.)
É estranho o impacto que você pode ter sobre o mundo quando você tem aliados. Eu, como uma pessoa que nunca teve amigos, sei mais que ninguém até onde você pode ir com as alianças certas, e o quão rápido pode fracassar se ninguém estiver ao seu lado. Felizmente, ao meu lado eu tive mais que um amigo. Eu tive Vítor.

(Nesse momento, vemos uma filmagem antiga e granulada de VITÓRIA, vista de frente, escrevendo uma carta, que ela então, após um tracking shot para a direita, vemos VÍTOR recebendo a carta. Toda essa breve cena decorre em time lapse, até o momento em que VÍTOR termina de ler, em que a cena volta ao tempo normal, e ele olha para o lado.
Segue uma cena em preto e branco com VÍTOR e VITÓRIA na cama, de roupa de baixo, se beijando. A cena dura alguns segundos, e então corta para VÍTOR olhando para um espelho estranhamente cabarético. VITÓRIA está massageando suas costas, e diz:
)

VITÓRIA
É a oportunidade perfeita para nos vingarmos do meu irmão, e de todos que nos fizeram mal.

(voltamos para a voz off, enquanto VITÓRIA está entrando no elevador, e CAIO está correndo em sua direção; os médicos e enfermeiras vem pelo corredor e o agarram enquanto ele grita: )

VITÓRIA(V.O.)
Não posso dizer que minha cruzada foi espontânea. Ela partiu das circunstâncias particulares de minha criação.

(Vemos mais um vídeo amarelo granulado de ARMANDO que parece estar batendo em VITÓRIA em um quarto imundo; no close que se faz do rosto dela, pode-se ver que ela está sem um dente)

VITÓRIA(V.O.)
Eu fui apenas uma cria das circunstâncias. Uma vítima que passou o pecado adiante. Eles plantaram, e aqui está a sua colheita.

(a porta do elevador se fecha. Vemos o rosto desesperado de CAIO, segurado pelos médicos)
VITÓRIA (V.O.)
(enquanto um close se aproxima de seu rosto dentro do elevador)
E ainda assim, tudo encaixou perfeitamente.

(segue uma cena em que ARMANDO, filmado de frente, abre a porta do armário vermelho, e diz: )

ARMANDO
Vitória, vamos lá, estou aqui pra te salvar!

VITÓRIA
Você já teve sua chance.

(Ela esfaqueia a câmera)

(corte de volta para o elevador)

VITÓRIA (V.O.)
E ainda assim, quando tudo aconteceu, tudo encaixou tão perfeitamente, tudo parecia premeditado... A conseqüência estava prescrita na causa. Além do mais, todos os que morreram, mereciam. E porque parar na minha escola? Tem crianças horríveis que maltratam umas às outras em todas as escolas do país, todas as escolas do mundo. O mundo já é um lugar horrível. Porque deixar que essas crianças falsas, nojentas e cruéis cresçam para se tornar adultos ainda piores? Essa é minha cruzada. Esse é meu destino.

(Conforme a câmera se aproxima do rosto dela e o discurso termina, seu sorriso se acentua, à La Norman Bates, no final de “Psicose”)

CENA 31/ EXT. NOITE CHUVOSA

(VITÓRIA desce as escadas do hospital no meio da chuva, e fica debaixo de um poste de luz, onde tira uma folha de papel do bolso. Nela vemos vários nomes riscados e alguns ainda escritos. VITÓRIA tira uma caneta e risca os nomes “ARMANDO” e “ANNA”.
Cortamos para um táxi filmado de frente, que pára do lado de VITÓRIA, jogando a água de uma poça sobre sua roupa.
VITÓRIA olha com desgosto para baixo. O vidro do táxi se abre, e o taxista aparece.
)

TAXISTA
Oi, oi, oi, está à procura de um táxi?

VITÓRIA
O senhor molhou minha roupa.

TAXISTA
Bom, fazer o que. Acidentes acontecem. E aí, vai querer ou não? Eu faço um preço especial!

(Corta para VITÓRIA entrando no táxi.)

TAXISTA
E aí moça, pra onde eu te levo?

VITÓRIA
Para casa, acho.

(Vemos o seu papel, e ela faz um pequeno círculo do lado do nome “PAPAI”. Ela hesita então e pausa sobre um espaço branco logo embaixo desse nome.)
(vemos o rosto de VITÓRIA agora, em um close bastante próximo. Ela põe a caneta perto da boca)
VITÓRIA
Só uma coisa, senhor. Qual é o seu nome?

(ao terminar a frase, ela esboça um leve sorriso de satisfação. Então, é o:

FADE TO BLACK

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