sexta-feira, 28 de junho de 2013

De Homens e Coxas

Virou moda dizer que os protestos que se apoderaram do Brasil nas últimas semanas foram 'gentrificados'. Que teriam sido tomados por aquele grupo social que é a fonte de todo o mal no país: a Classe-Média. Que a dita-cuja, seguindo seus instintos fascistas, estaria 'sequestrando' a pauta da manifestação com reivindicações de... gasp... direita!
Eu já falei um pouco disso ontem, na minha revisão do texto 'Fascistas!' mas queria elaborar melhor esse tema, principalmente porque é um que me afeta muito. Eu, como muitos, fui acusado de ser fascista(parece ser um problema frequente comigo: a esquerda tende à me chamar de fascista, enquanto que direitistas conservadores me chamam de comunista. Guiando-se exclusivamente pelo meu nome, eu acho que talvez os esquerdistas estejam mais certos). Isso, é desnecessário dizer, me deixa um pouco irritado. 
Vamos aos problemas básicos dessa argumentação da esquerda, e porque eu acho que eles o estão fazendo:
1) 'Cuidado, a Direita está tomando as manifestações!' So what? Supondo que as pessoas que se manifestaram são mesmo de Direita, isso tira o direito delas de se manifestarem? A esquerda, por acaso, tem o monopólio dos movimentos sociais?
2) Se não fosse o bastante, é muito difícil realmente dizer que as pessoas que se manifestam de camisa branca são 'de Direita'. Nos círculos da dita Esquerda, bandeiras 'contra a corrupção' são condenadas. Essas bandeiras, por coincidência, são agora o foco das manifestações, desde que as tarifas foram derrubadas. Uai? Quer dizer que, ser contra a corrupção agora é ser de Direita? Eu pensei que isso fosse a tarefa de qualquer cidadão com vergonha na cara. 
3) Sobre o ponto acima, está na cara que isso traduz muito mais uma preferência ideológica da Esquerda. Embora não seja na verdade o partido mais corrupto, como muitos gostariam de achar,o PT tem contra si o peso de ter sempre sido um partido que prezava antes de tudo a ética na política, tornando as acusações contra si mais pesadas que as outras. Assim, a Esquerda enxerga a luta contra a Corrupção como uma 'luta contra o PT', um equívoco paranóico. Para eles, o Governo Dilma Rousseff, contra o qual eles também protestam, é o 'mal menor'; sua guerra verdadeira é contra o PSDB e o moribundo Partido cachorro-morto-mas-vamos-chutar-ele-mesmo-assim Democratas, sem se importar com a posição virtualmente idêntica ao Governo Federal que esses partidos adotam, tornando a tal bipolaridade da política brasileira(se é que ela já foi bipolar em algum lugar que não o segundo turno das eleições) mais parecida com uma unipolaridade maquiada. Assim, o Governo Dilma deve ser em última análise criticado, mas somente pela Esquerda, pois uma crítica da Direita significa antes de tudo um complô para derrubar o Governo do PT; o inimigo é a Classe Média fascista que deve ser extirpada desse país(como isso se daria nunca é detalhado).
4) Apartidarismo é fascista desde quando? Eu não sei de onde essa ideia veio, mas já está me dando nos nervos. O pior é que as pessoas dizendo isso reclamam que quem não concorda com eles é alienado, que deveria ler livros de História para saber o que está acontecendo, mas eu duvido que algum deles tenha lido qualquer análise que seja sobre a subida ao poder do Terceiro Reich ou do fascismo italiano. Sim, a estratégia dos Nazistas envolvia protestar contra 'tudo que está aí'- mas, como a galera do "Hitler foi eleito" gosta de nos lembrar, boa parte da chegada ao poder do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães se deveu à convencer às pessoas de que eles iriam salvar a Alemanha se as pessoas lhes dessem um voto de confiança. No caso, um voto literal, porque eles disputaram eleições. E quase ganharam( Não, galera do "Hitler foi eleito", aqui vai uma novidade para vocês: Hitler NÃO FOI eleito, pelo menos não como nós elegemos um Presidente). Assim, mais que o apartidarismo, o que define o fascismo é a presença de um partido centralizado, forte, ativo e cheio de gente disposta à bater em outras pessoas. O que me leva ao próximo ponto...
5) Boa parte da Esquerda que faz essa crítica do fascismo é, ela mesma, extremamente anti-democrática. Essa Esquerda dos "Partidos nanicos" como PSTU, PSOL e PCO, que são sempre figuras engraçadas no horário eleitoral, vem de uma tradição que remonta aos partidos revolucionários. Nunca vimos o que um Partido desses faz, parcialmente porque nenhum deles chegou ao poder(Ah é, com a exceção daquele Psolista que foi eleito prefeito de Macapá e foi prontamente expulso. Tudo bem, vida de situação não é pra qualquer um), mas temos dicas aqui e ali do que eles poderiam fazer, com base em seu Modus Operandi. Um amigo meu me contou(esqueci vários dos detalhes dessa história) que, depois de passar vários anos no comando do DCE de uma faculdade, uma chapa financiada e organizada pelo PSOL e formada por integrantes seus decidiu abolir as eleições, acabando com toda consulta popular dos estudantes. Pelo que eu soube, a decisão foi revertida depois, mas isso mostra a extensão do ímpeto anti-democrático dessa Esquerda e como seus métodos são escusos.
6) À aqueles que estão dizendo que "vão abandonar o movimento porque ele foi tomado por Direitosos": Porque raios vocês passaram tanto tempo respondendo à críticas aos seus movimentos, dizendo que "Ninguém nunca faz nada e quando alguém decide fazer é achincalhado!" se agora é pra fazer a mesma coisa? Bando de hipócritas.
7) Sobre o ponto acima, também vejo muitas pessoas de Esquerda reclamarem pedindo "união", dizendo que não podem levar bandeiras de Partido senão recebem saraivadas de reclamações e críticas e gritos. Puxa, mas eu achei que trazer um símbolo "à mais" te distinguisse da multidão. Não é assim que funciona na matemática? Você não alcança o menor denominador comum cortando as gorduras? E eu ainda estou para ouvir uma explicação convincente sobre em que trazer a bandeira de um partido difere de fazer propaganda política. Os caras piram com isso. Falam que é uma democracia, que todos tem direito de se expressar politicamente, e trazem até o velho direito de ir e vir( primeiramente defendido por liberais no Século XVII, mas ok) para dizer que eles tem direito de estar onde quiserem com uma bandeira enorme. Interessante. Me pergunto se eles trazem essa bandeira para sair de casa, se levam ela para a praia, usando como canga. Se eles estão casualmente andando pela rua com uma bandeira, e dizem "Puxa, caramba, uma manifestação! É uma enorme coincidência eu ter saído de casa com uma bandeira!" É claro que eles tem o direito de aparelharem a manifestação que quiserem, mas divido aqui uma história com vocês: bem no início desse movimento, em princípios de Maio, foi organizada por um conhecido meu uma manifestação apartidária, em um evento no Facebook. Me pareceu claro que, vendo aquele título, membros de partidos não iriam para essa manifestação. Mas o que se seguiu foi uma verdadeira guerra; o fórum foi invadido por partidários reiterando seus "direitos", falando que apartidarismo é fascismo, que era ditatorial banir bandeiras e que iriam com todas as bandeiras que encontrassem. Embora eles tenham um ponto- de fato, não tínhamos como baní-los de levar nada, e não o fizemos- a situação torna-se no mínimo irônica quando a Esquerda começa à acusar a Direita de ter "sequestrado" a manifestação. Ora, a rua não é de todos? o movimento não é de quem quiser entrar? Nós não temos o direito de ir e vir? Então enfia no cu o seu direito de propriedade! 
8) Palavrões são bons e saudáveis de vez em quando.
9) Por fim, o desespero da Esquerda começou à se mostrar verdadeiramente fora de controle quando tentam equacionar nacionalismo com Fascismo. Não somente isso é idiota e reducionista- Ruy Barbosa e aquele manolo que escreveu "Porque me ufano de meu País" seriam então fascistas? Antes mesmo de existir o fascismo? Wut?- reducionista porque o Fascismo é muito, mas muito mais complexo que um simples nacionalismo, precisando acima de tudo de elementos mitológicos para criar uma narrativa messiânica- como também ignora a diferença entre Nacionalismo e Patriotismo. Nacionalismo é melhor definido pelo velho ditame "Brasil, ame-o ou deixe-o" ou "Meu país, certo ou errado". É a ideia de amar incondicionalmente o país, considerá-lo perfeito do jeito que é e nunca, nunca querer mudá-lo, pois fazer isso trairia sua essência. Já o patriotismo é você amar não apenas o que o seu país é, mas o que ele poderia ser. É lutar para que ele melhore. A bandeira do Brasil nas ruas não é a celebração da escravidão, do genocídio dos índios, do massacre de pobres ou da Ditadura. É a celebração do Brasil que ainda não somos, mas que queremos ser.

Algumas considerações finais: Como muitos não puderam deixar de notar, essa é a primeira grande manifestação no país desde a redemocratização que não conta com o PT em suas fileiras. Isso está acontecendo por motivos práticos- o PT está no poder e parte dessa ira se dirige à ele- mas também mostra à que nível os partidos políticos estão desacreditados no Brasil, algo expresso na insistência de vários de seus participantes de se denominarem 'Apartidários'. Deixando de lado por um segundo se isso é bom ou ruim, vou me concentrar nas reações à esse fenômeno, e porque a Esquerda se mostra tão incapaz de entendê-lo. Afinal, a Esquerda(que, quando não é o PT, é o PSTU ou o PSOL, geralmente) está acostumada a liderar esses movimentos, não a ser deixada de lado. A Esquerda não consegue conceber um movimento social popular não liderado por ela; e, seguindo a máxima de que se hostiliza aquilo que não se compreende, sua primeira reação é chamá-lo de "Fascista". A lógica que se segue à essa é no mínimo idiossincrática: Se o movimento não é liderado por nós, é fascista, e se é fascista, a classe média com certeza está por trás! Daí nasce a ideia de chamar todo e qualquer manifestante apartidário de "coxinha"- um termo que, fui ensinado um tempo atrás, é referente ao pequeno-burguês típico. Curiosamente, eu participei da manifestação e, embora a tal classe média de fato estivesse presente em peso, vi pessoas de todas as classes sociais, estudantes de escolas públicas, moradores de favelas, aposentados, moradores de rua. Isso está longe de ser 'apenas' um movimento classe-média. A Esquerda pode até querer inventar agora que, quando fala de 'Coxinha', fala não da classe-média mais de pessoas que defendem posições de classe-média- mas o estrago está feito.
Eu quero muito acreditar que a Esquerda não faz por mal, que ela apenas não entende, e que isso não é um esforço consciente para tentar pisar em um movimento que se tornou muito, muito maior que ela e grande demais para ser controlado e conduzido como gado. Mas eu não sei mais se acredito.

Franco Alencastro já pegou ônibus em pelo menos três países

Música do Dia: Animal Collective - Applesauce

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