segunda-feira, 10 de junho de 2013

Sobre Genocídio e Facebook

Os Guarani-Kaiowás nunca foram tão numerosos. O povo que virou notícia no Brasil inteiro ano passado por estar à beira de extinção, com menos de uma centena de membros sobreviventes prontos à cometer suicídio coletivo em protesto contra o descaso do governo federal e o avanço do agronegócio sobre as terras de um povo ancestral, parece ter alcançado uma vitória em sua batalha.
Hoje, pouco menos de um ano após caírem na boca do povo- ou de um certo segmento do povo- os Guarani-Kaiowás são milhares. Dezenas de milhares. Ao que parece, escaparam do genocídio.
Escaparam do genocídio, entenda, porque esses Índios que apareceram nos últimos 9 meses moram em ocas de concreto em tribos com outros milhões de Índios. Estão bastante seguros em casa, na Internet, longe de conflitos armados ou de disputas de posse de terra. Muitos tem sobrenome alemão, mas você nunca descobriria isso pelo seus perfis de Facebook. Não, lá o nome que eles orgulhosamente ostentam é um só (ou seriam dois? Bah, nome composto.): Guarani-Kaiowá.
Entenda, eu não tenho nada contra o ativismo de Internet (não atire a primeira pedra se tem telhado de vidro, certo?); Eu acho a Internet uma boa ferramenta para reunir as pessoas que se interessam por causas semelhantes, para que, juntas, elas encontrem uma voz que não tinham quando estavam separadas, e assim possam apresentar suas demandas à sociedade. Na verdade, eu mesmo já entrei em altos bate-bocas com integrantes mais experientes e mais barbados de movimentos sociais que discordavam de mim quando eu dizia o quão boa a Internet poderia ser para organizar a população.
Dito isso, acho que poucas formas de mobilização são tão frívolas quanto a demonstrada por esses Índios 2.0. Quase imagino o que está se passando nos corredores do poder:
No saguão do Comitê do Meio-Ambiente, Blairo Maggi senta-se em seu trono feito de motosserras, e olha pensativo para o horizonte vermelho e desértico de Brasília. Ao longe, um vulcão solta labaredas púrpuras, enquanto uma nuvem negra cospe raios sobre a árida planície. 
Os portões negros do salão se abrem e entra um mensageiro, um homem trajando um longo robe negro e um capuz.
-Ah, meu pérfido lacaio! Quais são as novidades do front?- gargalha Blairo Maggi, acariciando sua voluminosa pança com uma mão peluda enfeitada por anéis de metal negro em cada dedo.
-Senhor... sofremos uma derrota... o movimento ambientalista avança contra nossas tropas!- murmura o Mensageiro, atirando-se ao chão, beijando o solo do saguão onde seu mestre pisava.
-Hm... mas que tipo de derrota? O que eles estão fazendo dessa vez?- diz o Presidente do Comitê, o seu rosto escamoso preguiçosamente pousado sobre uma de suas garras. -Conseguiram fazer com que o Congresso aprove um Código Ambiental mais respeitoso do Meio-Ambiente? Fizeram o Governo Brasileiro fixar novas metas de redução de emissões? 
-Pior, majestade- soluça o mensageiro. -Eles todos trocaram o nome para Guarani Kaiowá no Facebook!
Blairo Maggi repousou sua garra peluda no braço de seu trono, e, com um olhar abatido mesmo levando em conta suas pupilas de cobra vermelhas como sangue, levantou-se e lamentou:
-Não há mais jeito. Morloch, chame uma coletiva de imprensa. Estarei renunciando ao cargo hoje mesmo. Nosso reinado de mal, crueldade, malvadeza e maldade com as pobres árvores chegou ao fim.
E uma nova era começou na Terra-Méd... digo, Brasília.
Acho que vocês entendem o que eu quero dizer, não? Mudar de nome no facebook é literalmente a forma de protesto mais preguiçosa que existe no Mundo. Ok, Gandhi também ficava sentado, mas isso não vem ao caso. Governante nenhum fica assustado com mobilização de Internet. É na rua que o pau come. 
Pense um pouco na bizarrice da situação.
-"Ó, que dó! Um povo está sofrendo um genocídio! Vamos mudar o nosso nome no Facebook para todos saberem que nós nos importamos!
-É, legal! Mas e aí, o que fazemos depois?
-Como assim?
-Quando tivermos a atenção da mídia por causa do nosso nome indígena, o que faremos com nossa atenção?
-...
-...
-Maratona de Game of Thrones?
-Maratona de Game of Thrones."
Parece um plano deixado pela metade. Se assim que eles tivessem conquistado vários apoiadores- como sem dúvida é demonstrado pela mudança de nome, o que teria sido útil na hora de filtrar e contatar os interessados em levar o movimento ao próximo nível- o movimento tivesse montado um verdadeiro plano de ação, ido às ruas, talvez até enviado algum apoio material aos próprios Guarani-Kaiowás, toda essa maquiagem cibernética teria valido a pena.
Ao invés disso, os verdadeiros Guaranis-Kaiowás continuam padecendo no inferno verde que recua ante o fogo e o fuzil. Os Guarani-Kaiowás- os de mentira- vão muito bem, obrigado. Me pergunto o que leva essas pessoas à ainda preservar esse nome, sendo que essa causa já foi abandonada por todos faz tempo- uma triste ilustração da obsessão da nossa juventude neo-ativista com causas pontuais, que causam uma histeria temporária e levam uma pessoa à tomar todo tipo de atitude idiota- como mudar seu nome no Facebook. Depois de alguns meses, as causas desincham como um balão e não se ouve mais falar delas; O ativismo em grande parte, pelo visto, se converteu em uma série de modinhas temporárias.. Ao invés de Tamagotchi, Salve Os Índios. A-hã.
Como uma última reflexão sobre esse tema, fica aqui uma letra de um de nossos grandes mestres da música popular, que, acredito, descreve a situação atual:



"Quem me dera ao menos uma vez

Fazer com que o mundo saiba que seu nome
Está em tudo e mesmo assim
Ninguém lhe diz ao menos obrigado"

Mas ei, mudar de nome não prejudica a causa, né? É verdade, mas também não ajuda em porra nenhuma.

Franco Alencastro, segundo histórias de família, provavelmente tem sangue indígena.

Música da Semana: Legião Urbana - Índios

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