domingo, 29 de dezembro de 2013

Eu Matei Caetano Veloso - Parte 24

Capítulo 17


Soares estava livre.
Não tinha sido fácil. Ele caíra no jardim de Jana- ainda não perdoara aquela safada por mentir para ele- e tivera que escalar o muro para sair, tudo ainda amarrado naquela arapuca de couro. Uma mesa no quintal servira de escada; mas isso não o impediu de cair no chão do lado da rua, e, amarrado pela arapuca, não encontrou um único ponto para amortecer a queda, indo parar de bruços no chão.
Daí, tivera que correr. Sem tempo para fazer perguntas, sem tempo para pensar. O importante é correr, correr para longe daquela maldita casa e daquelas malditas pessoas que agora estavam atrás dele, sem dúvida chamando alguns de seus amigos para pôr uma bala no meio de sua testa em algum beco escuro e fedorento, para a alegria dos ratos, baratas, gatos malhados e algum mendigo que bateria punheta para a cena toda.
Esses pensamentos nada alegres foram interrompidos quando Soares tropeçou de novo, caindo, dessa vez, em um arbusto. Não agüentou e desatou a chorar. Dias atrás, ele era um detetive péssimo quase sempre perto da falência, mas apesar de todas as agruras, ainda tinha seu escritório, sua mesa solene, sua secretária. Mas e agora? Estava reduzido à um patético ser pelado, amarrado em correntes de couro que ele não sabia desfazer mas que provavelmente deixam você tipo “ah mas isso é fácil demais” quando você finalmente descobre como desamarra-lãs. Pior, estava coberto de hematomas, fora traído pela única mulher que o amara, mas que, no fim das contas, não o amava porra nenhuma e queria mesmo era matá-lo; Provavelmente, depois de fugir de Orfeu, a chance de nem ter mais um escritório era grande; E para todos os efeitos, era um fugitivo da lei.
Tudo isso em três dias.
Mas Soares não se deixou tomar pelo desespero. Ficar sentado chorando não ia resolver seus problemas. Além do quê, já era de manhã e daqui à pouco a rua se encheria de gente. Milhares de pessoas vestidas e um Soares pelado.
Sentado no arbusto, tentou fazer um escaneamento de onde estava. As calçadas estavam alinhadas e bem-cuidadas, os arbustos eram floridos e as casas, bem acima da media. Soares definitivamente não conhecia aquela parte da cidade, mas parecia uma parte bacana.
Sentado em seu arbusto, Soares então se concentrou em desarmar a arapuca; ela era
amarrada por fivelas em diferentes camadas, e passar as correias pelas extremidades exigia um certo número de acrobacias. Estava pensando em como faria para arranjar uma roupa; talvez, assaltando um alfaiate...
-Eu posso ajudar você com isso.
Soares não soube o que dizer diante daquela oferta aleatória, então apenas olhou para cima para ver quem a estava proferindo. Foi nesse momento que levou mais um soco.
Do alto de seu metro e oitenta de altura, Geraldo observava Soares em meio à lágrimas.
-Ge...Ge...Geraldo?
-À seu dispor- Geraldo responde, e enche Soares de porrada; três socos em sua cabeça desprotegida e um chute no tórax.
-Porque, cara? Porque? Porque?- lacrimejava Geraldo, em meio à aplicação dos golpes.
-O que? O que?
-Porque você comeu a minha mulher, caralho!- Berrou Geraldo, e, do outro lado da rua, uma senhora abriu a cortina, olhou aquela estranha cena, e, meneando a cabeça, desapontada, voltou à dormir.
-Gê, Gê, Gê- disse Soares, usando o por ele raramente usado apelido- por favor, tenha piedade! Olha como eu estou. Estou pior que viúva de muçulmano. Podemos resolver isso como cavalheiros?
Geraldo o encarou, em silêncio, por alguns segundos. Ainda sem dizer nada, ele o estendeu a mão.


*****


-Vamos passar na minha casa. Eu te empresto algumas roupas, você toma um banho, nós comemos algo e então vamos conversar sobre tudo. Como cavalheiros.
Soares, no banco de trás do Corvette Stingray de Geraldo(modelo 1966), mal estava prestando atenção no que ele dizia. Estava mais interessado no mundo ao redor. Passando diante dele, estava uma casa de fachada branca, janelas de moldura azul colonial, e um vasto jardim. Era a portentosa mansão da família Guaracy.
-É claro! Nós estamos no bairro da Graça!- exclama Soares, feliz por ter feito uma dedução.
-Parabéns, Sherlock- diz Geraldo, seco cortando o seu barato.

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